Fã Fic: 3 irmãos. Um amigo, um cupido e um anjo. (Capítulos 5, 6 e 7)

***

Acordo na manhã seguinte com o barulho de Caterina fechando as cortinas da janela para que a claridade do sol não atinja nossos rostos.

Pisco algumas vezes até conseguir enxergar direito. Me lembro de ficarmos conversando e tenho certeza que dormi primeiro. Ainda estamos da mesma forma, com nossos pés tocando o chão (sentamos e depois apenas deitamos olhando o teto), a franja de Ignazio cobre os olhos e descobri que tenho alergia a barba dele na noite passada quando ele foi demonstrar como o cachorrinho, Boddy, faz quando ele chega de viajem, e esfregou o rosto no meu braço. Não sei como, mas uso o braço dele como travesseiro e tenho certeza de que foi Caterina quem nos cobriu com um lençol. Esfrego os olhos algumas vezes e me levanto, com cuidado para não acordar Ignazio, antes que Caterina feche a porta. Percebo uma mancha vermelha no braço dele, no local onde eu estava deitada, e peço silenciosamente que essa mancha suma logo.

—Bom dia querida. Desculpa ter te acordado -diz Caterina.
—Tudo bem, a senhora não me acordou.

Sorrio e ela coloca a mão em minha testa, depois em minha bochecha e me abaixo para que ela me beije.

— Está preparada? -Ela pergunta.
— Preparada para o quê?
— Bem -ela ri-, vocês dormiram na mesma cama.
— Não -sinto meu rosto ficar vermelho, e o dia mal começou-, nós, que dizer… nos distraímos.Não aconteceu nada.
— Eu sei -ela ri, e sinto que é por causa da minha vergonha-. Vocês dormiram com a porta aberta e todos passaram na frente do quarto. Piero chamou a Nina para olhar vocês dormindo.
— Não acredito nisso -digo rindo para esconder a vergonha que tenta ficar estampada no meu rosto.
— É bom você estar preparada porque esse vai ser o assunto do ano. Prometo tentar controlar meu marido e Ignazio, mas não garanto muito com a Nina e o Piero.

Sorrio para Caterina e a agradeço. Em seguida ela me mostra o banheiro, que fica no final do corredor, e me tranco ali por longos minutos. Primeiro penso nas brincadeiras que Piero irá fazer, nas indiretas que ele vai jogar e tento me auto-preparar para isso o dia todo. Não conheço Antonina ainda, mas se Caterina teme não conseguir controla-lá é porque o nível de palhaçada dela deve se igualar ao de Piero, então tenho que me preparar em dobro.
Demoro bem mais do que realmente preciso. Quando finalmente estou pronta, volto ao quarto de Ignazio para guardar as roupas que usei para dormir e o encontro acordado, dobrando o lençol que Caterina usou para nos cobrir. Não encontro minha mochila onde deixei (no chão, perto da porta) e percebo que a janela está aberta, deixando entrar um vento gelado.

— Bom dia senhorita “você não é cavalheiro”. -Diz Ignazio, já rindo, e me cumprimenta com um beijo no rosto. Percebo que sua mão toca minha cintura. Desnecessário. A mão dele ou o arrepio que percorre meu corpo com seu toque e a sensação de buraco no estômago me dando bom dia? Realmente não sei.
— Bom dia senhor “você também não é educada”. -respondo, também rindo, enquanto tiro sutilmente a mãe dele da minha cintura.- Seu braço ainda está vermelho?
— Está sim, mas tudo bem -ele diz mostrando o braço- Você deve estar procurando sua mochila, coloquei ela no guarda-roupa. Porta do meio, em cima da caixa. Sinta-se à vontade.

Já aprendi que não adianta discutir com Ignazio e, embora não goste nada disso, abro o guarda-roupa dele para guardar minhas roupas.

— Desculpa pelo braço -digo. E me assusto com sua gargalhada.
— Eu disse que você ia pedir desculpa -ele ri alto-. Agora você vai ter que ir andar de kart comigo.
— Quê? -digo, confusa.
— Você não lembra?
— Lembro do quê?
— Eu disse que você ia pedir desculpa hoje por deitar no meu braço, você disse que não ia, eu te chamei de previsível e decidimos apostar, não lembra?
— Não. -e realmente não lembro, o que me deixa mais confusa.- Espera aí, você me chamou de PREVISÍVEL?
— De novo -ele ri-. Sim, ontem. Você ficou irritada igual está agora e decidimos apostar. Se você não pedisse desculpa eu teria que dormir aqui, sem te perturbar; e se você pedisse teria que ir andar de Kart comigo e admitir que estou certo sobre você. -ele diz rindo.
— Nunca -começo a rir-. Não vou fazer isso! Nem me lembro disso.
— Como eu disse, previsível. -ele ri.
— Eu não sou previsível, Ignazio!
— É sim, Manuela.
— Não, NÃO SOU! -ele se aproxima de mim.
— Sim, você é, e tem que admitir isso. -ele diz rindo, observo as covinhas em suas bochechas.
— Não… Eu… Não… Sou…-digo, me afastando lentamente conforme ele se aproxima.
— Então, quer dizer que você está errada e eu estou certo? -ele diz tão perto que consigo sentir as palavras em meu rosto. Fico confusa.
— Sim, é isso que quero dizer! -percebo que falei besteira- Não, quer dizer, não é isso. -ele ri.
— Você já concordou “senhorita previsível”. -ele diz apoiando o braço, que usei para dormir, na parede atrás de mim, um pouco acima do meu ombro. Me sinto como alguém claustrofóbico preso em uma caixa.
— Você me deixa confusa, Ignazio. -digo, encostando o dedo com força contra seu peito para enfatizar cada palavra.
— Eu? E como faço isso?
— Não sei, só sei que você faz.

Digo, e saio de perto escapando por debaixo de seu braço. Abro a porta do guarda-roupa e coloco minhas roupas na mochila. Sinto a presença de Ignazio atrás de mim, pensamentos maliciosos tomam forma em minha mente e imagino o diabinho sobre meu ombro dizendo:”então não é tão certinha assim”.
Afasto os dois o mais rápido possível, o diabinho e os pensamentos. Meu coração acelera.

— Acho que você está invadindo meu espaço pessoal. -Digo.
— Mas dormimos juntos, pensei que não houvesse mais “espaço pessoal”. Ok. Parei de brincar com isso. -ele diz rindo. Sinto uma pequena dor de cabeça ao pensar que será só o começo dos comentários que vou ouvir hoje e deixo escapar um sorriso.
— Tem um espaço pessoal no momento e eu já pedi desculpa sobre o braço. -digo, querendo fugir logo da situação.
— Bom saber que é ‘no momento’ -surge um sorriso diferente em seu rosto-. E eu já disse que você pode usar meu braço sempre que quiser, não uso ele quando estou dormindo.
— Para de ser bobo -digo, rindo.- Espera. Você disse isso quando?
— Ontem. Meu braço. Meu corpo. Sou seu. Esqueceu?
Dou risada.
— Você me ofereceu seu corpo?
— Claro. Espera. Senti um tom de malícia na sua frase? Não acredito! -ele ri.- Não ofereci meu corpo dessa forma que você está pensando. -ele balança a cabeça em sinal negativo.
— E como você sabe o que estou pensando?
— Previsível, lembra?

Encaro Ignazio que está encostado na parede, de braços cruzados, perto da janela, em silêncio. Não sou previsível. Não posso ser. Não tem como ser! Já quebrei, no mínimo, 20 regras só por ter aceitado vir pra cá com Piero, o que, com certeza, eu nunca faria. E aqui estou, sendo chamada de previsível por alguém que nem sabe pronunciar meu nome direito. Mereço!
Encaro Ignazio, também de braços cruzados. Enquanto os pensamentos se moldam em minha mente tentando encontrar uma saída desse labirinto. E, como disse, não adianta discutir com ele.

— Tudo bem, Ignazio. -digo, em tom irônico, sou boa nisso- Você está certo! Sou previsível. Marque logo essa corrida de Kart.
— Viu? Eu disse que estava certo. Vou tentar marcar para amanhã.
— Você quem sabe. Vou descer para conversar com sua mãe e conhecer sua irmã. Licença.

Digo, enquanto saio do quarto. Quero deixar bem claro pra ele que brinco, até demais, mas não acho certo julgar as pessoas sem as conhecer.
Na sala, encontro Piero e Antonina rindo. Piero não está de boné hoje, veste blusa preta e bermuda jeans, mas os óculos continuam lá. Antonina, que está sentada à sua frente, é muito parecida com Caterina, os olhos, o sorriso, o rosto redondo. O engraçado e que as risadas são praticamente as mesmas para todos.
Ao me ver, Piero se levanta para me cumprimentar com um beijo no rosto e, em seguida, me apresenta à Nina. Aceno para o senhor Vito que está no portão, conversando com algumas crianças.

— Então, você é a famosa Mona? -Diz Nina, puxando assunto.
— Famosa? O Piero falou tanto assim de mim? -digo, rindo.
— Não só o Piero, ouvimos falar de você há quase duas semanas. É meio cansativo. -ela ri e dou risada pela forma como ela o faz.
— Para por ai Nina, é melhor deixar isso com ele. -repreende Piero, sempre rindo.
— Não estou entendendo nada. -Dou risada porque Nina solta uma gargalhada muito alto, e aposto que Piero ri pelo mesmo motivo que eu.

Ignazio se senta ao lado de Piero depois de os cumprimentar.

— Então… como foi a noite, Moh? -Pergunta Piero.
— Bacana… só mais seis dias. -respondo.
— Foi tão ruim assim, Ignazio? -Pergunta Nina, com cara de confusa.- A primeira garota que você trás pra casa, a primeira pessoa que gostamos, e você a decepciona na primeira noite? Que horror. -respiro fundo. Caterina disse que não seria fácil.
— Nina, calma. A Mona é vergonhosa. Olha pra ela, daqui a pouco ela incha e voa tentando ir embora. -diz Piero, rindo, mas agradeço silenciosamente a forma dele tentar me deixar calma e mudar de assunto- Moh, conversei com Caterina, e ela disse que te leva a igreja amanhã, e minha mãe ligou dizendo que te leva na igreja São Francisco no domingo que vem, ta bom?

Cresci dentro da Igreja, pra minha mãe isso era muito importante. Toda a minha índole vem dos ensinamentos. Não falto às missas no domingo, não importa onde eu estiver, e tento manter meu contato com Deus sempre ativo. Não é fácil, claro, mas tentar já é alguma coisa. Mariagrazia, Francesco e Piero me acompanharam nos domingos anteriores, revesando, e Eleonora, a mãe deles, prometeu que me levaria no domingo que estivesse livre.
Ainda não sei muito sobre a família de Caterina, mas já me sinto mais segura só por saber que ela irá me acompanhar amanhã.

— Igreja? Sério? Nunca pensei ver você em uma. -Diz Ignazio. O encaro, sem rir, e percebo que Piero também deixou o sorriso de lado.
— Pois é Ignazio… Quem diria né? Ops, espera aí! Eu sou previsível! Deveria haver um banner enorme com o nome “IGREJA” na minha testa. -Digo, séria.
— Ignazio, o que você fez? -pergunta Piero.
— Licença, vou falar com a Caterina.

Me levanto e Nina me acompanha.

— Tudo bem, Moh? Posso te chamar assim?
— Pode sim, Nina. É só seu irmão, ele é legal, mas as vezes, desculpa dizer, parece um idiota.
— Quem é idiota? -Pergunta Caterina.
— Quem pode ser depois da noite passada, mãe? -diz Nina, rindo.
— É besteira dona Caterina, nada de importante. Piero disse que a senhora vai me levar à Igreja amanhã, vim agradecer. É muita gentileza.
— Imagina, querida. -ela me abraça-. Vem, vamos conversar sobre o Ignazio. Nina, vem conosco.

Pegamos três cadeiras e nos sentamos perto de algumas flores no jardim de Caterina. Conversar com ela me acalma, e percebo que acontece o mesmo quando converso com Nina. Tudo começa simples, como quando conheci os irmãos de Piero, respondo uma série de perguntas sobre minha vida, os cursos que faço, o que quero fazer, planos para o futuro, o que goto, o que detesto, já me acostumei à esses questionários.

***

— Já pensou em morar aqui, Moh? -pergunta Nina.
— Nunca pensei sobre isso. Não sei. Talvez no futuro, quem sabe.
— Se você encontrasse alguém para namorar aqui, ficaria? -pergunta Caterina.
— Duvido muito encontrar um namorado aqui -digo, rindo.
— Por quê?
— Porque sou chata demais com essas coisas.
— E como é seu último namorado? -pergunta Nina.
— Não sei, nunca namorei.

Coro ao ver a cara de espanto de Nina e Caterina me olhando. Depois de alguns segundos em silêncio, Nina fala sobre seu primeiro namorado.
Não percebo o tempo passar, até porque emendamos um assunto no outro e deixamos ir.
Pronuncio uma palavra errada e Nina cai na gargalhada. No começo ela ria muito do meu sotaque, mas acho que já acostumou. De vez enquando deixo escapar uma palavra ou outra mal dita e esse é o motivo das risadas de Antonina. Ambas se levantam quando Ignazio chega e senta à minha frente, onde estava Caterina.
Mantenho a atenção em algumas plantas enquanto ele fala.

— Moh, podemos conversar? Estive conversando com Piero até agora, ele estava me falando sobre você e decidi que devo te pedir desculpas. Não queria te magoar ou te deixar irritada.
— Tudo bem Ignazio, não tem problema. -digo, finalmente olhando em seus olhos.
— Tenho muito o que aprender com você, aprender sobre você. Estou disposto a isso se você estiver disposta a me ensinar.

Quero rir ao escutar isso, porque não tenho noção do que ele está pedindo, mas Ignazio mantém uma expressão séria e tento fazer o mesmo.

— Não estou entendendo, Ignazio.
— Manuela, estou interessado em você! Isso é novo pra mim também, mas não sei lidar com suas regras. A noite passada foi uma tortura, hoje foi uma tortura.
— Isso é impossível, Ignazio -digo, enquanto sinto meu rosto ficar quente.- Você só me conhece há algumas horas.
Você só me conhece há algumas horas. Eu te conheço a quase três semanas. Te trouxe aqui para você conhecer todos, você dormiu no meu quarto e suas coisas estão no meu guarda-roupa. Preciso dizer mais alguma coisa?

Fico irritada, mas decido não demonstrar, não explodir aqui e agora. Não sei o que pensar, não sei o que responder à Ignazio e continuo em silêncio.

— Vamos fazer assim -ele diz- vou fazer o almoço e Piero disse que você faz a sobremesa. Podemos conversar sobre isso se você quiser, ou fingir que não falei nada. Você decide. Vem.

Ele pega minha mão. Ainda não tenho reação. Sei que ele espera uma resposta, mas não sei o que responder.
Então, todos sabiam o real motivo para a minha presença aqui, todos, exceto eu.
Penso em Nina ou Caterina saindo todas as vezes que Ignazio chegou, os comentários… Piero me trouxe aqui porque quer que aconteça algo entre eu e Ignazio? Não gosto disso. Não gosto nada disso!
Olho para Ignazio que põe o dedo no resto da massa de cup-cakes que fiz -porque Piero amou quando fiz na casa dele- e depois toca em meu nariz, deixando-o sujo. Um sorriso toma forma em meu rosto, talvez o primeiro em 2 horas. Ignazio limpa meu nariz com a outra mão e suas covinhas aparecem novamente.
Queria odiar mais essa situação. Queria odiar mais tudo isso. Como eu queria…

***

Não consegui falar palavra alguma a Ignazio desde nossa última conversa. Deixo todos na cozinha e vou para o jardim, novamente. Sento no chão e fico em silêncio, esperando que a resposta para tudo isso apareça na minha frente.
Algum tempo depois Piero se junta a mim e deita na grama, ao meu lado.

— Quando te conheci -ele começa-, com a Tina, observei seu jeito -ele coloca o braço ao redor do meu pescoço-. Brincalhona, extrovertida, inteligente, legal, bonita. Sabe? Não tinha percebido até ver minha mãe conversando com minha irmã sobre como você se parecia com Ignazio. Então pensei ‘por que não tentar?’. Ele estava meio pra baixo, você também, e como amigo decidi ajudar. Achei melhor falar com ele, e foi o que fiz. Levei ele para te ver muitas vezes, de longe, assistir suas palhaçadas, suas brincadeiras com a Tina. Mariagrazia ajudou com a ideia de trazer você pra cá porque achamos, de verdade, que ele fará tão bem à você quanto você fará à ele. Entendo a sua integridade, que tudo isso é novo pra você -me arrependo por ter contado coisas demais para Piero-, mas tenta! Pelo menos tenta!

Ele me puxa para um abraço e deito meu rosto em seu peito.

— Tudo bem, vou tentar. -digo, baixinho.
— Ele gosta mesmo de você, só não sabe como fazer você gostar dele.
— Talvez ele não precise fazer mais nada.

Continua…

Um comentário em “Fã Fic: 3 irmãos. Um amigo, um cupido e um anjo. (Capítulos 5, 6 e 7)

Deixe um comentário