Fã Fic – Per Te Ci Sarò (Capítulos de 43 a 50)

Como sempre, e esperado, nada é fácil. Contei ao meu pai que agora havia conseguido um emprego, o que o alegrou tanto quanto a mim, e ele decidiu que vai participar mais da vida de Leah, já que terei de estar fora o dia inteiro e não quero mais deixá-la na nossa vizinha, abandonada.
Eu não estou preparada para ver minha mãe ainda. Fingi que aceitei as explicações de meu pai sobre o motivo pelo qual minha mãe não quis nem falar comigo no dia do meu aniversário, mas na verdade apenas admirei a atitude dele tentando me animar e amenizar aquele sentimento estranho que sinto pela minha mãe desde que fui visitá-la no hospital, depois do transplante.
Antonella ainda trabalha em Abruzzo durante a semana e, com isso, minha carona para chegar até o centro de Bologna, para os ensaios no estúdio, se foram também. A caminhada começava, inicialmente, de segunda à sexta, às 05h da manhã e terminava por volta das 21h, que era quando eu chegava em casa.
Na primeira semana não tive muito problema porque foram apenas testes para ver meu nível de conhecimento, conhecer o coreógrafo, Fabio, e meu parceiro, Gabi -porque ele já se apresentou assim mesmo-. Era estranho ter uma equipe de filmagens conosco o tempo todo, mas me acostumei com o passar dos dias.
Passei a falar mais com Piero pelo telefone. De manhã e a noite. Em finais de semana alternados ele aparecia na minha casa e brotava na porta do estúdio quando eu estava saindo.
Leah mantinha a casa em ordem, mas todas as noites eu arrumava o que achava que estava bagunçado e deixava pronto o almoço do dia seguinte para eles.
Não passava um dia sem que eu conversasse com Maria pelo celular. E com Gianluca também.
Me acostumei com Gabi rápido demais. Na verdade, ele ganhou minha amizade quando disse para o nosso entrevistador, que vivia nos torrando a paciência fazendo perguntas sobre nossas vida e nos acompanhando até a porta do banheiro, que Tiziano canta a trilha sonora da vida dele em cada música. Naquele momento ele ganhou minha amizade, de fato, porque é exatamente isso que eu penso.
Fui visitar minha mãe apenas uma vez e a conversa correu bem até ela perguntar se eu já havia deixado Piero. Como a resposta foi “não”, ela fechou a cara e pediu que eu saísse. Desde então, não fui mais visitá-la.
Pedi a meu pai que não aceitasse o emprego que um amigo arranjou para ele como motorista e me disponibilizei a tomar conta das dívidas da nossa família, que não eram muitas porque mantive o pagamento em dia de todas as contas quando estive trabalhando na sorveteria. Até onde eu sabia, meus pais não deviam mais em lugar nenhum.
Em dois meses, tudo estava resolvido.
Meu salário inicial foi quase o triplo do que eu recebia na sorveteria, realmente acima da média de salario da sociedade no geral, mas recebi esse valor apenas no primeiro mês porque passei a ter que fazer horário extra de ensaios durante a semana e nos finais de semana também. O desespero estava grande porque as músicas que havíamos ensaiado de início eram as novas, e Tiziano decidiu que quer coreografia nas músicas antigas e em apenas uma das novas -que sequer estava na nossa lista-. Eu não encontrei tanto problema com a coreografia nova, mas estava sendo difícil pro Gabi e ele não pode ensaiar sozinho, daí os meus horários à mais de trabalho. Passei a ajudar Lorenzo, nosso câmera de todos os dias, na edição das imagens no final do expediente. Ele me explicava como fazer, quais partes selecionar, e depois ele vinha selecionando as minhas imagens, assim aliviava o trabalho dele também.
No segundo mês, recebi quase o dobro do meu salário inicial, mas eu estava acabada e extremamente cansada. Passei a ir de ônibus.
Prometi a Maria que a visitaria o mais rápido possível, mas estava difícil ir para Sicilia novamente no meio da correria, Piero entende, não sei se ela também compreende.
Faltava apenas 15 dias para o show e nossas coreografias estavam perfeitas.
Piero havia pedido para que o acompanhe na gravação do programa Porta A Porta porque como já estávamos quase completando seis meses de namoro e não havíamos “anunciado” em nenhum programa ou revista, aceitamos o anúncio no Porta A Porta.
Passei a utilizar mais o Instagram e tive de tornar meu perfil público por causa do novo emprego. Não fiquei muito contente de início, mas não tive muitas opções.
Piero, Ignazio e Gianluca já deram início a tour promocional nacional do novo álbum e está corrido para eles também. A participação no Porta A Porta é para promover o novo álbum, antes de qualquer coisa, minha presença foi solicitada pelo Bruno, apresentador do programa, porque ele quer me conhecer. E, segundo Piero, os fãs também querem.
Embora esteja tudo corrido, estou muito feliz com meu emprego, com minha nova família.
Estava tudo ótimo na minha vida, tirando o fato de minha mãe não falar comigo e Piero não estar ao meu lado o tempo todo.
Estava tudo indo ótimo até demais.

***

A mochila que eu costumo usar para ir trabalhar resolveu quebrar o zíper e tive de usar a mochila que Ignazio me deu.
Eu estava muito animada, talvez porque seria o primeiro ensaio completo de coreografia com as roupas que usaremos, ou talvez seja apenas porque Piero irá me buscar para irmos para a gravação do programa em Roma. Talvez seja pelas duas coisas.
Eu nunca fui arrumada para o trabalho. Maquiada, de cabelo solto, ou algo assim. Justamente porque não me agrada o fato de me arrumar para suar o dia inteiro, mas naquela manhã, eu estava diferente.
Tomei banho cantando Incanto. Me maquiei no banheiro, para não acordar Leah, fazendo o meu olho preto esfumado que tanto amo, delineando com traço fino e puxado de gatinho para fora. Rímel. Batom matte em um tom um pouco mais escuro que o marsala. Cabelo solto com ondas e cachinhos até que bem comportados. Acho que viver de coque esta ajudando a controlar isso tudo.
Vesti uma calça jeans preta e uma camiseta regata azul escuro com detalhes que parecem manchas de tinta preta. Coloquei roupa para dormir na mochila e coloquei também a roupa que uso no trabalho, que é a que a Alessandra me deu de presente. Coloquei o bota azul, linda, com o solado vermelho que Gianluca me deu e coloquei também uma jaqueta preta com botões e forro interno vermelho.
Perfeito!
Peguei o óculos escuro de lente preta e armação vermelha com detalhes dourado que Piero havia me dado e fui trabalhar.

Cumprimentei meus vizinhos assim que percebi que eles me olhavam de cima a baixo e ignorei praticamente todos os “bom dia bella” de homens no ônibus.
Desci, como sempre, em frente ao estúdio e, como esperado, lá estava Lorenzo com a câmera, acompanhado de Gabi. Ele sempre grava nossa entrada no estúdio.
Tenho certeza de que apenas 0,15% de todo o trabalho dele nas gravações será utilizado.
Sorri quando me aproximei e eles ficaram me encarando, assustados.

— Buongiorno, Gabi. Buongiorno, Lore. — Os cumprimentei, como sempre, com um beijo no rosto.— Tudo bem? Preparado, Gabi?
— Ham ham. — Ele respondeu sem mexer a boca, ainda me olhando com a mesma cara de surpresa.
— É isso que eu chamo de Diva. — Falou Lorenzo. Eu ri. Ele nunca me chamou pelo nome, sempre foi “Diva”.
— O Fabio já chegou? — Perguntei.
— Não. Ele está vindo com o estilista da Armani, trazendo os trajes para prova. — Respondeu Lorenzo.— Mas me diz uma coisa, tudo bem?
— Tudo ótimo. — Respondi sorrindo.— Acordei com um super bom humor hoje. Dei “bom dia” até para as formiguinhas no meio do caminho. Algo me diz que hoje vai ser inesquecível.
— Não é à toa que você namora quem namora. — Falou Gabi com a mesma cara de surpresa.
— Piero. Por quê? — Perguntei.
— Milhões de mulheres dariam tudo para estar no teu lugar. — disse ele.— Por consequência, milhões de homens devem querer estar no lugar dele. É assim que a vida funciona. E dá para entender tudo agora.
— Entender o quê? — Perguntei rindo. Tirei o óculos.— Gabi, amore, nada de filosofia tão cedo. Okay? Vamos!
— Meu Deus! Seus olhos! — Falou Gabi. Foi impossível não rir. Comecei a subir as escadas.— Você viu os olhos dela? — Ele falou, mais baixo, para o Lore.

Fomos direto para o estúdio 4, o penúltimo do corredor, e ensaiamos algumas partes, mas Gabi estava com a mente em qualquer lugar, menos ali, naquele momento. Errou boa parte dos passos, e não conseguiu me erguer, como nas outras vezes, por completo.
Geralmente nós esperamos o Fabio para tomar café, mas ele ligou para o Lore e alguma coisa mudou na rotina de hoje, mas ele não nos disse o que é.

— Você vai demorar? — Ele perguntou ao Fabio no telefone.— Entendi. Estou com eles aqui, no estúdio, esperando. —Pausa para ouvir o que Fabio falava.— Vou levá-los. Mas por quê? — Pausa rápida.— Hoje? Mas era para ele vir apenas na semana que vem. O que aconteceu? — Ele saiu do estúdio e ficamos nos olhando, tentando decifrar o que ele estava dizendo.

Não falamos nada, mas ambos pensamos a mesma coisa: Tiziano vai aparecer aqui hoje, em algum momento!
O coração bateu mais rápido e deu uma dorzinha no estômago.
Me sentei no chão, ao lado de Gabi. Encostei a cabeça no ombro dele.

— Vai fazer o que hoje, quando sair daqui? — Ele perguntou olhando pro nada. Toda sexta-feira ele pergunta isso.
— Piero vem me buscar. Temos trabalho em Roma.
— Eu nunca fui a Roma. — Disse ele.
— Eu também não. — Sorri.

Lorenzo entrou na sala novamente e já não estava mais falando ao telefone.

— Certo. Mudança de planos. Não vamos esperar o Fabio para tomar café e vamos iniciar os ensaios sem ele por perto. Tudo bem pra vocês?

Fomos com Lorenzo até a padaria na esquina, a que vamos sempre, nos sentamos nos mesmos lugares e pedimos exatamente o mesmo. Bolacha, biscoito, pão, suco e cappuccino. Muito cappuccino.
Lorenzo decidiu já levar um lanche também.
Quando voltamos, não ficamos no estúdio 4, como sempre. Ficamos no estúdio 1, que era muito mais bonito visualmente. Grande. E tem uma parede com espelho enorme.
Nos sentamos no chão e esperamos a equipe fazer o trabalho deles. Alguns minutos depois, ouvinos a voz de Lorenzo saindo das caixas de som, descretamente encaixadas na quina superior de cada parede. Ele parecia estar na sala conosco.
Deitamos no chão e começamos a cantar algumas músicas do Tiziano enquanto esperávamos.
La Differenza Tra Me E Te.
Il Ragalo Più Grande.
Imbranato.
Sere Nere.
Lorenzo nos interrompeu antes do refrão de Ed Ero Contentissimo.

— Gente. Tudo pronto. Passagem rápida de Sere Nere.

Não era conosco que ele estava falando, mas nos levantamos. Logo a música começou a tocar. Gabi deu início a parte dele na coreografia e acabei o acompanhando, mesmo usando jeans e salto alto.
O senti perto até demais quando tive de me abaixar para trás, caindo sobre o braço dele e ele se aproximou de mim. Do meu rosto. Da minha boca.
Quase um beijo.
A música acabou.
Respirei fundo.

— Tudo bem? — Ele perguntou.
— Aham. — Respondi, sem saber se eu estava imaginando coisas.
— Ficou lindo! — Falou Lorenzo
— Seria mais lindo ainda se pudéssemos te ver. — Respondeu Gabi. Lorenzo riu.
— Na hora certa. O rapaz vai entrar com o figurino de vocês. 15 minutos para se preparar e voltamos com a coreografia completa.

Fui para o banheiro com um rapaz me seguindo segurando umas 5 peças de roupa. Peguei a que ele me entregou e vesti.
Era um vestido extremamente curto, como o daquelas assistentes de palco de programa aos domingos, preto. Muito glitter, muitas pedrinhas. Extremamente brilhoso. Uns fios prata soltos na parte de baixo. A renda fazia um decote V que desce um pouco abaixo do meu seio, mas tem renda na lateral também. O cumprimento é apenas o necessario para que meu bumbum finja estar coberto, porque o que cobre mesmo é o mini short preto que uso por baixo, fora isso, nada mais.
Era vulgar, com toda a certeza, mas ainda assim extremamente lindo.
O rapaz me entregou um par de sandálias preta, com salto fino e tiras para amarrar que sobem um pouco acima do calcanhar.
Amarrei meu cabelo jogando ele para um único lado, mas não fiz coque, o deixei solto, e voltei para o estúdio.
Antes de entrar, parei assustada com o grito de um homem no corredor caminhando na minha direção.

— Ficou impecável! — Disse ele ao se aproximar de mim. — Extremamente perfeito. E esse é, de todos, o que menos me agrada. — Ele me cumprimentou com um beijo no rosto.— Eu sou Marcelo, o estilista.
— Ah sim, prazer. — Respondi, sorrindo, e apertei a mão dele. — Eu sou a…
— Liadan. Todo mundo sabe. Eu queria ter vindo te conhecer antes mas estive ocupado. E minha assistente ajudou bastante. Você lembra dela? Veio pegar suas medidas.
— Lembro sim. — Menti, porque não lembro.
— Diva! — Falou Lore, colocando a cabeça para fora da porta perto do nosso estúdio.— Você está atrasada.

Pedi desculpa e entrei no estúdio, mas estava tudo escuro. Me assustei.

— Gabi? — Chamei baixinho.
— Pode andar, Diva. — Falou Fabio, nosso coreógrafo, se fazendo ouvir pelas caixas de som.— Estamos ensaiando com a equipe da iluminação também, para ficar o mais parecido possível dentro do que podemos fazer aqui.
— Entendi. E bom dia.
— Bom dia, bella. Prontos?
— Sim. — Respondemos Gabi e eu em uníssono. Não consegui o enxergar com detalhes, mas dava para ver a silhueta dele ao meu lado.
— Vamos com a coreografia completa de Sere Nere. E não esqueçam que vocês estão fazendo história. E são essenciais nesse show. Tanto quanto o Tiziano. Vocês representam todos os fãs e suas emoções. Respirem fundo e nos surpreendam.

Sere Nere não era difícil.
Me afastei de Gabi, até encostar na parede. E respirei fundo.
É só sentir a música.
Um. Dois. Três. Quatro.
A música iniciou.
Um.
Dois.
Três.

Caminhei devagar, passos longos, olhando pro chão, exatamente como ensaiamos, quando uma luz branca me iluminou e passou a me acompanhar.

“Ripenserai agli angeli.Al caffè caldo svegliandoti…”

Me virei de costas no último passo e coloquei a mão mo ombro de Gabi, que estava abaixado e se levantou no mesmo momento, colocando a mão na minha cintura e aproximando o rosto do meu conforme eu caia sobre a perna dele.

“Mentre passa distratta la notizia di noi due”

Dois passos para trás.
E a coreografia continua.
Em seguida, Ed Ero Contentissimo.
Il Regalo Più Grande.
La differenza Tra Me E Te.
Scatterò Una Fofo.
E Fuori È Buio.
Hai Delle Isole Negli Occhi.
Fabio pediu para que parássemos antes de Imbranato.
Me sentei no chão. Cansada. Gabi deitou atrás de mim.

— Vocês podem colocar a roupa de vocês. Reunião aqui em 10 minutos. — Falou Fabio.

Levantei em um pulo e assim que sai o mesmo rapaz de antes me acompanhou até o banheiro.
Avisei a ele que havia algo na parte de trás, na altura da minha cintura, que me incomodava, quase furando, quando ele perguntou.
Rápido tirei aquele vestido, a sandália e o short e voltei à minha calça preta, regata azul escuro com mancha preta e a bota azul marinho. Optei por fazer um coque bagunçado, cheio de cachos para todos os lados, mas formal.
Sorri pro meu reflexo no espelho.
Lorenzo e Gabi me esperavam do lado de fora. Lorenzo, como sempre, com aquela câmera registrando cada passo.

— E você, Liadan, como está? — Ele perguntou.
— Bem nervosa. Ansiosa. São muitas expectativas e eu espero mesmo que tenhamos atingido todas — disse sorrindo, mas apertando a mão e mexendo nos dedos a cada palavra falada.

Fabio abriu a porta para nós e nos deparamos com uma sala enorme. Não foi a quantidade de pessoas que me chamou a atenção e sim a parede com visão perfeita para o estúdio onde dançamos. Então o espelho era um vidro.
Conhecemos três rapazes responsáveis pela iluminação, a equipe de divulgação que conta com 5 rapazes e 7 mulheres divididos em setores que não decorei enquanto Fabio explicava, dois representantes da gravadora e a equipe do figurino, formada por 4 rapazes. Um deles é o que me acompanhou até o banheiro e o estilista que veio me cumprimentar também.

— A apresentação de vocês foi perfeita, mas mudanças serão feitas. — Disse Fabio.
— Quais mudanças? — Perguntei de imediato.
— Vestuário e coreografia. — Respondeu um dos rapazes da gravadora.
— E cenário. — Completou outro que não consegui descobrir quem era.
— Em todas as músicas? — Perguntou Gabi, meio apavorado.
— Você não passará por mudança. A Liadan mudará.
— Eu? — Perguntei mais apavorada que Gabi.
— Vocês dançarão todas as músicas exatamente como estão, exceto Sere Nere, Hai Delle Isole Negli Occhi e Imbranato. — Respondeu Fabio.
— O rapaz participa de Sere Nere com eles. — Falou uma mulher.
— Ah sim. Verdade. Você terá apenas uma mudança Gabi. E vai entrar uma homenagem final, despedida, e vocês vão participar também. Tudo bem pra você, Gabi? — Perguntou Fabio.
— Sim.
— E você, Liadan? Vai pesar mais pro seu lado. E vai ser bem corrido. Acha que consegue?
— Consigo. Com certeza! 15 dias. – Sorri para disfarçar o medo.– Vamos começar a ensaiar agora né? Já estamos atrasados!
— Eu não vou ensaiar vocês, Liadan. — Falou Fabio, me fazendo parar antes de chegar na porta.
— O quê? E como vamos fazer isso? — Perguntou Gabi.
— A coreografia tem de sair com alguém, Fabio. Tudo tem que ser perfeito. Inesquecível. Único. Sem igual. Tem que ser tudo melhor do que todos esperam. — Deixei meu medo falar por mim. Todos sorriram.
— Eu disse que ela é perfeita pra isso. — Falou Fabio. Gabi e eu trocamos olhares confusos.
— Concordo com cada palavra que você disse. — Falou uma voz doce atrás de mim. Gelei por dentro. Tremi. A felicidade me dominou e meu coração bateu acelerado.— Agora vocês ensaiam comigo. — Literalmente travei. Eu conheço essa voz.

Acho que reconheceria essa voz até mesmo se ele estivesse rouco. E se eu não pudesse ouvir meu coração me avisaria, descompensado.
Tiziano.

Continuei travada enquanto Gabi abriu o maior sorriso do mundo e passou por mim.
Não tive coragem de olhar para trás.
Ele estava ali. Estava ali.
Conversando com Gabi.
Ali.
Meu Deus!
Tentei respirar normalmente para não ter um mine ataque por falta de ar.
Todos me olhavam sorrindo. Estavam esperendo a minha reação ao ver o Tiziano. Mulher sempre é mais emotiva com essas coisas e eu já não conseguia controlar as lágrimas nos meus olhos.

E sempre disse que eu nunca fui como Leah. Com certeza sou pior que ela.

— E tu, bella mia? Não sou como você esperava? — Ele perguntou para mim.

Perdi o restinho de controle que eu fingia que tinha e deixei minhas lágrimas caírem.
Elas não caíam só porque ele estava ali. Elas caíam porque, em meio a tantas pessoas no mundo, eu estava ali. Elas caíam pela Antonella, e pela Leah, que sempre acreditaram em mim, mesmo quando nem eu acreditava.

— Oh, meu Deus. Ela está chorando. — Falou alguém. Não reconheci a voz.
— Ah. Vamos demiti-lá. Vou embora. — Falou Tiziano.

Eu ri e olhei para trás. Ele estava ali. Sorrindo.
Que sorriso lindo!
De braços abertos para mim.
Caminhei até ele e recebi o abraço mais quente e sincero de toda a minha vida. Mais apertado. Mais demorado.
Chorei mais enquanto o abraçava e ele sorria deslizando a mão nas minhas costas.

— Não chora. Eu estou aqui. — Disse ele. Acabei chorando mais.

Era impossível. Inacreditável!

— Você sempre esteve aqui. — Ele me soltou para poder olhar nos meus olhos. Exatamente como Piero faz.— Aqui dentro. — Concluí, colocando a mão do lado esquerdo do peito.

Ele sorriu e percebi os olhos dele se enxendo de lágrimas também. Fechei os olhos enquanto ele beijava minha testa.

— Aí dentro. — Disse ele, apontando pra mim, sorrindo.
— O tempo inteiro. — Falei.

Ele me abraçou novamente.

***

Uma coisa era ensaiar com Fabio. Ele é perfeccionista demais com cada mínimo detalhe e entendemos o desespero dele, mas ele é apenas mais um na equipe, exatamente como nós. No final, ninguém sabe nosso nome.
Outra coisa, bem diferente, é ensaiar com Tiziano. Com o próprio Tiziano!
Eu esperava vê-lo apenas no dia do show, e olhe lá!
Tinhámos muito o que fazer.
Eu tinha muito o que fazer. E começamos os ensaios naquela tarde, depois de passar o resto da manhã -e almoçar- com Tiziano, contando a ele boa parte da nossa história.
Como se todos fôssemos amigos ha muito tempo.
Exatamente como Antonella havia dito.

Piero ligou avisando que o voo atrasou e vai demorar para chegar. Não foi uma notícia ruim porque eu estava mesmo precisando esfriar a cabeça depois de passar o dia inteiro com Tiziano.
Com o Tiziano!
Observei todos irem embora, exceto Lorenzo, que sempre fica editando as imagens, o que é excelente porque ele deixa eu ficar ensaiando no estúdio quando quero, e é exatamente isso que preciso fazer hoje. A sala onde ele edita as imagens fica distante do estúdio. Agradeci quando ele se ofereceu para colocar alguma música para tocar, entrei na sala e esperei. Como ele tinha muito trabalho, sabia que ninguém estava me vendo pelo outro lado da parede. Deixei minha mochila no chão e tirei a bota.

— Quer escolher a música? — Perguntou Lorenzo. O escutei pelas caixas de som.
— Imbranato. Está muito complicado a sequência de giros. E pode por pra repetir o tempo todo.
— Okay. Segredo: bate palma uma vez que a luz diminui, duas vezes seguidas também. Com três palmas seguidas ela apaga. A mesma coisa para acender.
— Legal. Obrigado Lorenzo. Se Piero demorar muito, vou te ajudar.

Juro que ouvi duas pessoas rirem, mas deve ser algo da minha cabeça.

— Hoje? Tenho minhas dúvidas, mas agradeço.

Bati as mãos algumas vezes para testar o que Lorenzo havia me falado.
Respirei fundo e me concentrei na música. Na letra que não sai da minha cabeça, no ritmo, no piso gelado sob os meus pés.
Nada.
Três palmas e a luz apagou.

Parlo poco lo so strano guido piano….

Tentei seguir a coreografia que ensaiamos. Tentei.
Tentei fazer os giros. Caí diversas vezes. Perdi o ritmo milhões de vezes.
Me irritei.

— Quer saber? — Falei para mim mesma.— Vou fazer o que eu quero fazer. Faça o que o seu coração diz, Liadan. Seja quem você quer ser pelo menos uma vez na vida!

A música começou novamente. Bati palma até a luz apagar e cantei seguindo o ritmo.
Duas palmas, a luz acendeu; uma vez e ela diminuiu novamente.

È iniziato tutto per un tuo capriccio…
A coreografia que eu dançava agora, de olhos fechados, era bem mais sensual que a antiga. Bem menos giros no alto e mais jogadas de cabelo, caminhadas sensuais, e mais ideias se formando enquanto a coreografia vinha na minha mente.
Não consegui elaborar como eu imagina. Precisava do Gabi para o refrão! Acabei fazendo o máximo possível sozinha.
Repeti, melhorando onde eu percebi que dava para melhorar sozinha, a mesma coreografia três vezes.
Eu já estava pronta para iniciar tudo novamente, mas a música não tocou.

— Lorenzo? — Falei. Bati palma até a luz acender.— O que foi?
— Você tem que descansar. — Falou Tiziano, entrando na sala, sorrindo. Tremi.
— Pensei que você já tivesse ido embora.
— Pensei a mesma coisa sobre você. Quer saber? Gostei muito da sua coreografia. Vai ficar aqui quanto tempo?
— Não sei. Estou esperando meu namorado chegar.
— Quer ensaiar mais um pouco enquanto espera?

Mas eu já estava fazendo isso.

— Coloca o vestido vermelho que está na arara com o seu nome. Vou procurar algo para mim por aqui.

Quem sou eu para negar uma ordem do meu chefe?
Sorri e procurei a arara com o nome “Liadan – Vestidos.”. Peguei o que tinha a identificação “Hai Delle Isole Negli Occhi – Rosso” porque era o único vermelho.

Aprendi, naquele dia mais cedo, que não devo me importar com o cumprimento dos meus vestidos. Tudo faz parte do marketing, que faz parte do meu trabalho.
Vesti o vestido longo, extremamente grudado ao meu corpo e com uma fenda enorme na lateral que sobe até o meu quadril.
Gosto do jeito que a renda desce em formato V no decote porque parece que sou mais magra na frente do espelho. Era um vestido sem brilho, mas extremamente perfeito.

Voltei ao estúdio e encontrei Tiziano utilizando uma camisa branca com os três primeiros botões abertos, a calça jeans preta era a mesma, mas o suspensório preto era um item novo. Aquele chapéu preto estilo Mikael Jackson. Retrô. Fofo demais.
Sorri.
Ele me olhou sério.

— Você está tão fofo! — Ele olhou para a própria roupa e sorriu.
— Você já se viu? Enfim. Você tem que fazer exatamente como fez nas outras vezes que dançou. Eu vou apenas ser o que você precisa. Talvez alguma coisa mude, tudo bem?
— Sim.
— Certo. Você apaga a luz. Vou ligar a música.

Ele correu para a sala ao lado e logo voltou.

— Imagina que estamos no palco e nada pode dar errado. Pronta?

Fiz que sim com a cabeça e apaguei a luz.
A música começou e segui exatamente como eu imaginava.
Agora Tiziano estava parado, em pé ao meu lado direito, um pouco distante.
Me levantei aos poucos, olhando pro chão coloquei a mão em seu ombro e caminhei por trás dele. Ele não se moveu, de cabeça baixa, exatamente como eu imaginei.
Não foi fácil me apoiar no ombro dele e deixá-lo colocar a mão na minha cintura. Foi mais difícil ainda me aproximar do pescoço dele, da bochecha, da boca. Ele ainda imóvel de cabeça baixa. Antes de chegar na boca dele, me abaixei, lentamente, e segui o giro para trás que ele me obrigou a fazer já que estava com a mão na minha cintura.
A mão dele me soltou e ainda girei mais duas vezes. Leve. Ele continuou parado com o braço estendido na minha direção.
Meu cabelo soltou quando me abaixei. Levantei devagar novamente e caminhei, agora mexendo no cabelo, por trás dele novamente, dessa vez mais distante.
Meu caminhar se transformou em passos longos, na direção dele. Girei duas vezes e dividi os giros com caídas lentas e formas diferentes de chamar a atenção de um homem sem ser vulgar. Mexer no cabelo, joga para um lado, para o outro.

E sono qui che parlo emozionato…(8′

Corri na direção dele e ele me ergueu, uma volta lenta, descendo aos poucos bem próxima dele, próximo demais.
Agora é a minha vez de ficar imóvel.
Assim que encostei os pés no chão ele usou a mão para mudar o meu cabelo de lado, de um jeito que parecia bem sensual. Senti a respiração dele no meu rosto quando ele se aproximou. A mão no meu queixo.
Continuei parada. Ele se posicionou atrás de mim, a boca encostou no meu pescoço.
A mão desceu do meu cabelo até a minha cintura. Ele segurou minha mão e ergueu um dos meus braços, usando o outro para me envolver em um tipo de abraço. Forte. Bem forte. Conforme nosso braço abaixava, ele diminuia a força com a qual apertava minha cintura.
Um giro para trás. Volta.

Me peguei lembrando de quando eu dançava na escola. Da felicidade que eu sentia em cada passo dado. Das pessoas aplaudindo.
Me lembrei de quando dancei com Piero e Ignazio, sem saber quem eram.
E tudo mudou com aquela dança.
Tudo mudou para melhor.

Coloquei a mão ao redor do pescoço de Tiziano. Ele me abaixava, aos poucos, sobre um único braço enquanto usava o outro para colocar a mão no meu rosto.
Se aproximando mais e mais.
Coloquei a mão no rosto dele. Ele mantinha o olhar sério e fixo nos meus lábios.
Senti o expirar quente dele sobre os meus lábios e a música acabou.
Silêncio.

— Você tem muita sorte por eu ser gay. — Ele disse, sorrindo. Perto demais de mim.
— Se você não fosse gay, jamais teria permitido que chegasse a esse ponto.

Sorri. Ele sorriu também.
Levantei e me afastei um pouco para limpar o suor com a palma da mão já que eu havia esquecido minha toalha.

— Gostei. Acho que nós dois somos pessoas de sorte. — Ele disse.
— Talvez.
— Você não acredita em sorte?
— Não.
— Acredita em destino?
— Talvez.
— Você acredita em quê?
— Acredito em talento. Acredito em escolhas. Acredito em consequência.
— Consequência?
— Sim. — Fiz uma pausa enquanto procurei meu celular na mochila.— Não acredito em sorte porque seria o mesmo que dizer que tudo acontece aleatóriamente. Por exemplo, seria o mesmo que dizer que você tem sorte de estar aqui hoje, que tem sorte de ser quem é e ter conseguido conquistar tudo o que conquistou. Não importa o seu talento e os dias que você dedicou a aprender e estudar para melhorar a sua voz porque, no final, seria sorte mesmo e você estaria aqui de qualquer jeito.
— E você não acredita que estarmos aqui seja sorte?
— Jamais. Acredito que isso é destino.
— Então é escolha do destino nós estarmos aqui, agra. — Ele perguntou, sério.
— Olha: você não escolheu nascer com a voz bonita. Algo já estava preparado, e você iria nascer assim. Não pode ser sorte porque, então, tudo o que aconteceu por causa disso teria de ser sorte também. Saber cantar não quer dizer que será um cantor. Quer dizer que você pode ser um cantor, mas depende dos seus atos, das duas escolhas e da sua dedicação. Entende? Por exemplo: eu danço, mas não estou aqui por sorte. Estou aqui pela consequência das minhas escolhas. Eu poderia estar servindo sorvete agora, e você poderia ser um atendente de loja, e ainda teríamos os dons que temos. Você dedica todos os dias da sua vida ao seus dom, ao seu sonho, a sua voz. Isso não é sorte, é dedicação e força de vontade. — Ele não falou nada, me olhava pensativo, sorrindo.— Agora vou tirar esse vestido. É tudo demais para mim.

O sorriso aumentou no rosto dele.
Voltei ao banheiro e coloquei a mesma roupa (calça, bota, regata e jaqueta).
Meu celular tocou quando estava pendurando o vestido na arara com meu nome.

— Pronto.
— Estou aqui na porta te esperando, Pupa. — Disse Piero.
— Okay. Estou saindo.

Desliguei e voltei ao estúdio para pegar minhas coisas. Tiziano ainda estava lá, mexendo no celular.

— Estou indo, Tizi. Meu namorado acabou de chegar. — Falei. Peguei minha mochila e minha pequena malinha preta.
— Vamos jantar? Aposto que você também está morrendo de fome. Já viu a hora?
— Nós temos compromisso, mas se você quiser falar com ele, por mim tudo bem. — Respondi.
— Qual o nome dele? — perguntou me acompanhando até a saída.
— Piero.

Eu estou com fome, claro. Já são quase 22h e a última coisa que comi foram bolachas na pausa do perpiodo da tarde.
Tiziano é totalmente diferente do que eu imaginava. Na minha mente, ele era simpático mas meio esnobe. E ele não é assim. Ele é tão normal quanto eu, tão simpático quanto Gianluca. É engraçado e sério.
Achei super legal ele ter feito de tudo para que eu me sentisse mais à vontade. Achei fofo ele nos convidar para jantar.

Piero saiu de um Audi preto assim que Tiziano abriu a porta para mim.
Piero estava usando calça jenas cinza, camiseta e tênis preto. O óculos de armação também preta.
Sorri quando ele caminhou na minha direção moldando o sorriso mais lindo do universo naquela boca tão bem desenhada.

— Ma stai troppo bella amore mio. — Disse antes de me beijar e abraçar.— Sei sempre la più bella dal mondo.
— Grazie, Pie. — Respondi sorrindo.— Vem cá. Meu chefe quer falar com você.
— Seu chefe? — Ele perguntou fazendo cara de desentendido. Sorri.
— Sim. Tiziano, esse é meu namorado, Piero. — Tiziano o cumprimentou com um aperto de mão, todo sorridente. Piero sorriu também.— Piero, esse é o Tiziano.
— Ma dai… è un piacere! Che onore! — Disse Piero, muito animado.
— Você é o Piero do Il Volo? — Perguntou Tiziano, sorrindo.
— Sou sim.
— Você não me disse que namora um dos Volo, Liadan.
— Mas você não perguntou. — Respondi rindo.— Piero, nós temos tempo? Tiziano nos chamou para jantar.
— Claro, claro. Com certeza.

Piero estava de bom humor, o que era excelente. Os dias de mau humor parecem infinitos às vezes, e ele se torna uma pessoa chata e insuportável. Briga por tudo. Reclama de tudo.
Penso que, na maioria das vezes, o mau humor dele deve ser por causa do cansaço e das horas mal dormidas. Ou talvez, até mesmo, por saudade de ficar em casa com os amigos.
Entender o mau humor é fácil, mas lidar com ele não é tão fácil assim.
Tive que cancelar uma ida ao centro comercial com a Anty, há algumas, porque ele implicou que eu não estava mais dando atenção ao nosso relacionamento depois que comecei a trabalhar, o que não era verdade porque eu estava apenas trabalhando, e ligava pra ele cinco, seis vezes ao dia. Mas, mesmo assim, cancelei a ida ao shopping com a Antyh, que não gostou nem um pouco porque havíamos combinado há muito tempo, e fui jantar com ele, que deu um jeito de vir de Napoli naquela noite.
Essas coisas só acontecem às vezes, quando o mau humor dele toma conta, mas é chato do mesmo jeito.
Jantamos com Tiziano e Lorenzo, que ainda estava trabalhando trancado naquela sala de edição dele.
Tiziano gostou bastante de Piero, acho que ele não esperava que fosse esse Piero. Ninguém deve esperar.
Tiziano pediu para tirar uma foto. Lorenzo se ofereceu, para não aparecer, mas Tiziano não aceitou e pediu a ajuda do garçon que estava nos atendendo. Piero colocou o braço envolta do meu pescoço e Tiziano, que estava ao meu lado, colocou a mão envolta da minha cintura e o outro braço envolta do pescoço de Lorenzo.
Sorrimos.
Não sei o que Tiziano vai fazer com a foto porque ele não publica nas redes sociais. Exatamente como eu antigamente.
Piero também pediu uma foto. Selfie é mais fácil para ele porque está em um dos cantas da mesa.
Lorenzo se aproximou mais de Tiziano, que se aproximou mais ainda de mim.
Sorrimos, mas o sorriso de Tiziano estava sem comparação com o nosso. Piero também percebeu, então tiramos outra foto. Piero e eu fizemos biquinho, mas coloquei as mãos nas bochechas dele, apertando, para ficar mais engraçado, e Tiziano fez um tipo de careta sorrindo, apontando pra nós e Lorenzo saiu rindo de todos nós.
Amamos a foto.
Piero logo publicou.

“Credo che ho sbagliato il mio team oggi 🙊🙈 #TeamTZN #tzn #amore #lamiaballerina #nuoviamici “

Ri, curti e roubei a foto. Coloquei como foto de perfil.

Continuamos conversando por alguns minutos e nos retiramos porque ainda temos de ir para Roma.
Tiziano e Lorenzo continuaram no restaurante.
O caminho até Roma é cansativo. Ouvi Piero contar sobre cada detalhe que eu havia perdido tanto sobre ele quanto sobre os rapazes.
Contei a ele que terei de mudar a coreografia e as novidades na minha casa.

— Foi visitar sua mãe? — Perguntou Piero.
— Fui.
— Ela está bem?
— Sim. Muito bem. Em pouco tempo estará em casa.
— E o médico dela?
— Não sei. Não o vi.
— Quero visitá-la.
— Não acho que seja uma boa ideia. Ela não parece gostar de você. De verdade.
— Eu fiz alguma coisa?
— Não. É coisa dela mesmo.

Não contei que minha mãe não gosta de Piero porque quer me doar pro Francesco, e não vou contar.
É humilhante.

***

Acordei assustada com Piero me balançando desesperado.

— Lia? Liadan! Acorda! — Ele berrou na minha frente.
— Tô acordada. Tô acordada. O que foi?
— Eu que pergunto. Você está bem?
— Tô. Eu cochilei.

Nós chegamos em Roma naquela manhã e fomos direto pro hotel descansar. Piero apagou assim que deitou, mas tive problemas com o sono, novamente. Não consegui dormir e fiquei zanzando pelo quarto, mexendo no celular.

— Você estava gritando, Lia. Está tudo bem com a Leah?
— Está. Tudo bem. Eu só estou cansada. Devo ter tido um pesadelo.

Eu não sei se sonhei, muito menos o que sonhei. Mas deve ter sido isso mesmo.

— Tem certeza que está tudo bem?
— Tenho sim. Pode dormir.
— Vem. Vamos dormir juntos.

Ele me puxou até a cama e me fez deitar, embora eu não quisesse.
Me aconcheguei no braço dele e ele ficou mexendo no meu cabelo até eu dormir novamente.

*

Eu estava cansada, era fato. Não é fácil chegar em casa tarde e ter de ajudar Leah no dever de casa, preparar comida, arrumar a casa e, finalmente, dormir. Acordar muito cedo. Lavar roupa uma vez por semana. Usar as minhas horas de descanso para sair com Piero, com Antonella, com Leah, que, na verdade, só me cansa mais.
Para melhorar tudo, quando durmo, não estou tendo sonos bons. Acordo várias vezes durante a noite, o que faz com que meu corpo não descanse. Apenas mais e mais cansaço.

Despertei na tarde daquele dia. Piero não estava mais no quarto.
Sentei na cama e observei o papel dobrado sobre a mesinha ao lado. Peguei e abri.

“Buongiorno bella. Tive que sair porque temos entrevista às 13h.
Se você tiver acordado antes das 15h, estarei no restaurante aqui do hotel almoçando.
Saímos às 18h.
Ti voglio bene.
P. B.”

Procurei meu celular para ver a hora. 16h28.
Okay. Não tenho muito tempo.
Tomei banho, mas enrolei pra sair do banheiro porque a água estava me deixando extremamente relaxada. Lavei o cabelo.
Me maquiei ali dentro mesmo mas não fiz um make chamativo. Apenas esfumei o olho com uma sombra marrom, fiz o delineado fino preto de gatinho e máscara para cílios.
Vesti uma calça legging preta com detalhes metálicos na lateral. Coloquei, como sempre, uma regata, dessa vez, cinza com a asinha do logo do Il Volo, pequenina, estampada no lado esquerdo que eu havia ganhado de uma fã dos rapazes quando saí para jantar com Piero há algumas. Coloquei a mesma jaqueta preta com o forro interno vermelho. Coloquei também a bota de cano baixo preta com detalhes dourados na frente que Gianluca havia me dado. Decidi colocar um pequeno lenço em cores vermelha, laranja, amarelo e preto, no pescoço. Usei alguns grampos para prender os meus cachos do lado direito. Demorou, mas ficou bom.
Parei na frente do espelho. Eu nem parecia mais a mesma Liadan de antes, cansada e sem sonhos para viver. Agora pareço uma pessoa importante, com uma família enorme e amada.
Sorri.
Faltava alguma coisa.
Óculos de sol, claro.
Escolhi o óculos de lente azul marinho, quase preto, com a armação vermelha na lateral e um fino fio dourado na frente.
Me olhei no espelho novamente.
Ainda falta alguma coisa.
Batom.
Por falta de opção mesmo, acabei usando um vermelho matte. Bem vermelho.
Agora estava perfeito!
Mas, mesmo assim, coloquei os brincos que Maria havia me dado, acompanhados da pulseira “para dor sorte”.
E eu pensava que nunca usaria esses presentes.
Sorri.
Peguei meu celular que havia deixado carregando.
17h35.
Dava tempo de comer alguma coisa no restaurante.

**

Piero me encontrou no restaurante, um pouco depois das 18h. Ele havia subido direto pro quarto, como não me encontrou lá, decidiu me ligar.
Já que havíamos perdido a gravação, o programa ia ser ao vivo mesmo.
Eu estava calma porque Piero disse que eu poderia “não aparecer”, se quisesse assim. E era exatamente o que eu queria. Então vou apenas acompanhar os rapazes, conhecer o Bruno nos bastidores e, se quiser, assistir ao programa no auditório.
Pegamos um trânsito nada bom até a emissora. Sorte nossa que Gianluca e Ignazio já estavam lá. Piero entrou quase que correndo e não parou para tirar foto com algumas fãs que estavam na entrada. Tentei explicar para elas que estávamos atrasados e prometi que quando saíssemos ele parava. Elas pareceram entender, mas vai saber né.
Eu não aceitei que as maquiadoras mexessem em mim, porque eu estava pronta e nem ia aparecer. Observei enquanto elas arrumavam Piero, na correria.
Gianluca e Ignazio já estavam prontos para entrar, em um outro lugar. Não os encontrei.
Concordei quando Piero disse ao rapaz que o estava direcionando que eu era sua namorada e iria assistir ao programa na platéia. O rapaz falou algo no microfone e os acompanhei até a entrada do estúdio.
Observei Ignazio e Gianluca já sentados no sofá que estava no palco. Piero se voltou para mim.

— Tudo bem? — Ele perguntou.
— Sim. E você? — Perguntei sorrindo quando ele colocou a mão na minha bochecha.
— Estou atrasado. — Respondeu sorrindo.— Mas sempre encontro tempo pra isso.

Ele deu aquele sorriso de lado sedutor e me puxou para um beijo.
Outro mundo. Outro lugar. O tempo para.

— Boa sorte. — Falei, por conta do hábito, quando ele se afastou e o rapaz disse que a entrada dele ia ser anunciada. O observei pegar o microfone e colocar aquele negócio que não sei o que é pendurado na parte de trás da calça dele. Ele sorriu.
— Não preciso de sorte. Eu tenho você.

Sorri e olhei ele entrar acenando para a platéia.
O rapaz me entregou um crachá. Logo coloquei em volta do pescoço. O segui até o meu lugar, passando por trás das câmeras e de uma pequena grade. Gelei quando percebi que teria de atravessar todo o estúdio.

— Já que estamos falando de namoradas, cadê a sua? Eu pensei que a conheceria hoje. — Falou Bruno para Piero. Ele sorriu.
— Ela é um pouco tímida. Depois te apresento. — Respondeu Piero.
— Temos foto dela, pelo menos. Não temos? — Falou Bruno, para alguém da equipe, com certeza. Sorri.

A foto que Piero havia tirado, na noite passada, com Tiziano e Lorenzo, apareceu no telão atrás deles, no exato momento que cheguei ao meu lugar e me sentei feliz por ter uma câmera enorme na minha frente.

— Onde vocês estavam? Aquele é o Tiziano Ferro? — Perguntou Bruno.
— Sim. Essa foto foi de ontem. — Repondeu Piero.
— Eles foram conhecer o Tiziano e nem nos convidaram. — Falou Gianluca de um jeito engraçado. Todos riram.
— É que nós…
— Não. Não. Não. Shiuuuu. — Interrompeu Ignazio.— Isso não tem desculpa.

Foi impossível não rir.
Piero pegou o microfone para tentar falar e Ignazio se levantou e pegou Gianluca pelo braço.

— Vá lá com seu novo amigo “Tiziano“. — Rimos muito.— Vamos cantar, Gianluca. Questa canzone la canteremmo noi due perché Piero adesso ha un’altro gruppo.

Bruno ria tanto que nem conseguia falar. Na verdade, todos riam demais.

— Deixa o Piero explicar. — Falou Bruno, depois que recuperou o fôlego.

Ignazio relutou bastante, mas deixou Piero falar depois de se sentar bem distante dele.

— Grazie, Bruno. Eu fui buscar a Liadan ontem e ela estava trabalhando. Eles haviam acabado de se conhecer e Tiziano nos chamou para jantar. Foi muito rápido. Não deu tempo de ligar pra você, Ignazio.

Ignazio fez uma careta, meio que imitando Piero. É muito engraçado o jeito que eles brincam.
Gianluca me viu quando o câmera, que estava a minha frente, foi embora, Deus sabe pra onde. Ele sorriu, sempre doce, e acenou pra mim. Sorri e acenei pra ele.

— Devemos perdoar o Piero? — Ele fez com a boca, longe do microfone.

Respondi que não com a cabeça, só para ver até onde eles iam com isso.
Gianluca bateu as mãos no alto e se jogou para trás no sofá, rindo alto.
Ele cutucou Ignazio e mostrou onde eu estava, cochichou algo no ouvido dele e Ignazio riu.

— Não devemos perdoar o Piero? — Perguntou Ignazio, no microfone. Sorte minha que o câmera não me encontrou. Fiz que não, rindo.— Então não devemos perdoar você também.
— Com quem ele está falando? — perguntou Bruno, olhando pra platéia.

Piero riu e me procurou na platéia. Ele sabia que Ignazio estava falando comigo.

— Un attimo. — falou Ignazio, se levantando e parando no meio do palco.— Vou mostrar algo que todo mundo quer ver. Para qual câmera eu mostro? Essa? Essa? — Ele segurou no câmera e começou a caminhar na minha direção. Gelei.— Cadê os fãs do Tiziano? Aposto com vocês que ela mostrou e contou tudo sobre o novo DVD do Tiziano ao Piero. Ela tem informações. E contou para vocês sabem quem. — Era impossível não rir. O rosto de Ignazio, indignado, aparecia no telão, intercalado com o rosto de Piero, rindo, mas temeroso, e com os sorrisos de Gianluca e Bruno.— Contou para ele e não contou para nós. Isso é injustiça! Você foi injusta, Liadan! — Ele apontou para mim.

Congelei quando apareci no telão. Era só isso que eu não queria.
Comecei a tremer, mas sorri.
Ignazio realmente estava se divertindo.

— Estamos quites agora. Vocês estão perdoados. Vamos cantar? — Perguntou Ignazio, ainda rindo.

Piero estava mais assustado do que eu, mas aposto que ele não tremia.

— Ela é a famosa Liadan? — Perguntou Bruno.

Piero concordou com um aceno de cabeça. Seria ridículo não ir até o palco agora.
Minhas mãos já transpiravam frio.
Ignazio bateu no ombro de Piero até ele se levantar e vir até mim.
Eu não tinha mais escolha.
Uma menina atrás de mim começou a gritar desesperada pelo Piero. Me apavorei quando ela começou a chorar.

— Vem aqui, ragazza. — A ajudei a pular de cadeira e se sentar onde eu estava.

Quando Piero se aproximou de nós ela parou de chorar, o que me acalmou. Piero a abraçou e tirou uma selfie com ela. O problema foi que mais pessoas se aproximaram e os seguranças tiveram de intervir. Piero conseguiu se afastar depois de alguns minutos, mas voltou para me pegar no colo para que eu não precisasse atravessar o estúdio inteiro novamente.

— Grazie. — Falei quando ele me colocou no chão.
— Você não pode fazer isso.
— Então fala para elas não chorarem.

Sorri e caminhei de mãos dadas com Piero até o palco.

— Esse é o Bruno. — Ele disse para mim. — E essa é Liadan.

Cumprimentei Bruno com um aperto de mão. Ele riu.

— Finalmente. — Disse me puxando para um abraço. — Senta. Fica a vontade.
— Obrigado.

Cumprimentei Ignazio com um abraço, e Gianluca com um beijo seguido de abraço. Gosto muito deles.

— Vamos ouvir uma música? — Perguntou Bruno.
— Quer escolher, Lia? — Perguntou Gianluca.
— Volare. — Falei, sorrindo, porque amo essa música.

Observei os repazes cantarem.
Bruno aproveitou o tempo para tentar me acalmar, em vão, tadinho.
Teve intervalo depois da apresentação dos rapazes.

— Vamos falar um pouquinho sobre você, Liadan. Tudo bem? — Perguntou Bruno.
— Tudo bem.
— Seus olhos são lentes?

Meu Deus, todo mundo pergunta isso! Os rapazes riram do meu lado.

— Não. Não são.
— São lindos.
— Obrigada.
— Scusami. — Falou Gianluca.— Scusami Piero. Ma questa ragazza è troppo bella. Vedi. — Morri de rir quando Gianluca me fez levantar.— Io non ho una sorella di sangue, ma la vita, e Piero, mi hanno donato questa ragazza, questa bellissima sorella di cuore.

Não sei se é disputa, mas às vezes parece que ninguém, nunca, vai superar a fofura de Piero, aí Gianluca supera. E vice-versa.
Eu não fazia ideia de que sou tão importante assim pra ele, porque sinto verdade em cada palavra que ele diz.

Ouvi os rapazes contarem um pouco sobre cada infância, sobre família e o apoio constante e inabalável de cada um deles. Ouvi Gianluca descrever como seria a mulher perfeita pra ele: estilosa, brincalhona, alto astral e carinhosa. Ouvi Ignazio descrever como conheceu Alessandra e, principalmente, como foi difícil, no início, porque os fãs não aceitaram.

— Hoje tudo está bem. Nós somos exatamente os mesmos, mas mais completos particularmente. — Falou Ignazio.
— Até porque vocês cantam amor. Tem que viver isso. — Falou Bruno.
— Certamente. Os nossos fãs namoram, e terminam relacionamento, e voltam a namorar de novo mas continuam sendo nossos fãs. E os amamos exatamente como são, com ou sem namorados. Como Ignazio disse, somos os mesmos. — Falou Piero.
— Quando se inicia um relacionamento é importante ter o apoio da família. — Falou Gianluca.— porque essa nova pessoa faz parte da família agora. Nossos fãs também são nossa família, e o apoio de cada um deles também é importante. Mesmo que ela more em Nárnia, se for nossa fã tem um pedacinho nosso dentro dela e tem também um pedacinho dela dentro de nós.

Foi impossível não aplaudir Gianluca depois disso. Ele é sempre fofo ao extremo.

— Vocês já namoram a quanto tempo, Piero? — Perguntou Bruno.
— Praticamente sete meses.
— E foi difícil para você assim como foi pro Ignazio?
— Talvez. Não fico comparando porque são situações totalmente diferentes.
— Piero! — Falaram Gianluca e Ignazio em uníssono.— Todos sabem que pra Liadan é mais difícil do que pra todos nós juntos. — Ignazio terminou sozinho.
— Verdade, Liadan? — Perguntou Bruno.
— Eu dei muita atenção pra isso no começo. Me deixava triste, claro.
— É doloroso você ver que os seus fãs estão falando mal de alguém que você ama. — Interrompeu Piero.— Quando falam mal do Ignazio, do Gianluca ou de mim elas nos defendem e fazemos o mesmo. Ninguém pode falar das nossas ilvolovers. Elas são nossas e para nós são perfeitas e é isso o que importa. Ninguém tem o direito de criticar os nossos fãs. Da mesma forma que não gostamos que falem mal dos nossos fãs, não gostamos que falem mal da nossa família.
— Certamente. — Falou Bruno.— Você me parece uma pessoa tão calma, tão doce, Liadan. Não sei se é possível não gostar de você após te conhecer.
— Obrigado, Bruno.
— E achei bonito o que você fez agora a pouco com a menina ali.
— Não consigo vê-las chorando. Não consigo ver ninguém chorando. Me parte o coração.
— Ela é sempre assim. Sempre fofa. — Falou Gianluca. — E Piero está muito feliz com ela. Eles se completam. São pessoas fortes e simples, simpáticas. Eles estão felizes e é isso que importa.
— Grazie, Gianlu. — Sorri e encostei a cabeça no ombro dele. Ele acariciou minha bochecha.
— A irmã dela é muito fã nossa. — Falou Piero.— Um beijo Leah.
— Você tem uma irmã? — Perguntou Bruno.
— Tenho. Leah. Ela é criança.
— Tem apenas dez anos. — Falou Piero.
— E já é fã de vocês? — Perguntou Bruno.
— Desde sempre. Ela ama esses rapazes, principalmente o Gianluca.
— Um beijo para minha pequena Leah. — Falou Gianluca, mandando um beijo no ar, todo fofo.— Prometo te levar para jantar o mais breve possível!

Ignazio e Piero começaram a rir descontrolados.

— Ela falou para a mãe do Gianluca que eles irão se casar. — Expliquei para Bruno, que começou a rir.
— E você trabalha no que, Liadan? — Ele perguntou.
— Ela está na equipe do Tiziano agora. — Respondeu Piero na minha frente.
— Una danzatrice. — Completou Gianluca.
— Que bacana! Você sempre foi dançarina? Sempre trabalhou com isso?
— Não, não. Estou na equipe dele a apenas quatro meses. Antes eu…
— Mas nós não temos nada a ver com isso. — Falou Piero, me interrompendo novamente. Gianluca e Ignazio, assim como eu, o olharam com uma cara que dizia “o que você está fazendo”?— Ela nunca gostou das nossas músicas e sempre foi fã do Tiziano.
— Você não gostava do Il Volo? — Perguntou Bruno.
— Não. — Respondi forçando um sorriso. Não sei se ficou bom.— Não é o meu estilo de música.
— Mas estamos trabalhando nisso. — Falou Gianluca. — E logo menos ela será nossa maior fã.
— Daquelas que passam a tarde nos esperando no aeroporto e choram quando nos encontram. — Completou Ignazio, sempre engraçado.

Para ser bem sincera, fiquei nervosa e não gostei nem um pouco das interrupções de Piero. Principalmente quando eu ia contar que trabalhava em uma sorveteria. O que tem? Eu trabalhava mesmo. E se não tivesse aquele emprego jamais teria o conhecido.
Não sinto vergonha do meu passado difícil. Não sinto vergonha de nada. Mas agora sinto que Piero pode não gostar de revelar que namora uma antiga atendente de sorveteria. Por vergonha?
Não sei.
Será que se eu ainda tivesse servindo sorvete ele teria me trazido aqui? Ainda estaria comigo?
Dúvida plantada com sucesso!
Terminei de responder as perguntas de Bruno, que evitou falar do meu passado e mudou de assunto quando Gianluca deixava parecer que ia voltar ao mesmo ponto. Continuei falando apenas quando fui chamada e forçando sorrisos na maioria das vezes.
Eles cantaram mais três músicas, responderam algumas perguntas de fãs na plateia, e fomos liberados.
Fui direto para o banheiro, sem falar com nenhum dos rapazes, após pedir informação para uma menina da equipe que decidiu me acompanhar.
Aquela interrupção de Piero estava entalada na minha garganta. Literalmente. E sei muito bem qual o resultado disso.
Choro.
Mas não consegui chorar ali, naquele momento.
Demorei para sair do banheiro, mas quando saí a mesma menina me esperava do lado de fora e me levou até o camarim onde os rapazes estavam, apenas me esperando para ir embora.
Não consegui sorrir quando Piero me olhou e me abraçou. Não consegui conversar com ele normalmente.
Talvez apenas Gianluca tenha percebido que eu não estava bem.
Afinal, o que era isso tudo? Ele me trouxe de Bologna para ter vergonha do que eu fui? Do que mais ele tem vergonha? Da forma como me visto, como me porto?
Eu não consigo mais olhar pra ele e não me fazer essas perguntas.

— Quero ir pra minha casa. — Falei quando ele deu a entender, no carro, que eu ficaria com eles no domingo também.
— Eu te levo pra casa amanhã à noite. — Falou Piero.
— Eu vou pra casa assim que chegarmos no hotel. Não quero mais ficar aqui. — Falei e continuei olhando pra frente. Piero e Gianluca ocupavam os lugares do meu lado e Ignazio ia dirigindo com a Barbara no banco do passageiro.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele perguntou.

Foi automático, Gianluca e eu olhamos para ele ao mesmo tempo, com a mesma cara de indignados.

— Não. Só quero ir embora. — Voltei a olhar pra frente. Aqui, agora, não é a hora e local certos para essa conversa.
— Não posso te levar hoje, amore. Temos outro programa daqui a pouco.
— Tudo bem. Não estou pedindo para você me levar. — Soltei indignada.— estou apenas avisando que vou pra casa assim que chegarmos.
— E quem vai te levar?
— Existe trêm e avião. Antonella me ajuda.
— Ela está em Bologna? — Perguntou Gianluca.
— Está sim. Ela costuma passar os finais de semana por lá.
— Já a vi várias vezes. É bem extrovertida. Gosto dela.
— Também gosto, Gianluca.

Piero saiu do carro assim que estacionamos na entrada do hotel.

— Eu não gosto nem um pouco dela. — Disse ele.
— Interessante. — Falei. — É bom você passar a gostar dela porque ela é minha melhor amiga e será assim pra sempre.

Como eu só estava com minha bolsa de mão e não tinha que atender fã nenhum em entrada de hotel, subi direto pro quarto e arrumei minhas coisas de volta na mochila e na mala.
Liguei para Antonella que atendeu, como sempre, no primeiro toque.

— Branca de neve! — Ela falou, desesperada.— O que foi aquilo? Está todo mundo falando nas redes sociais.

Ótimo! Tinha esquecido que o mundo inteiro assistiu isso. Deve ser motivo de risos para milhões de pessoas.
O choro doeu entalado na garganta.

— Você pode ir me buscar na estação de trem? Lá pelas 23h30?
— Claro que posso. Estarei lá. Lia, não chora! Espera eu estar perto de você. Não chora na frente de mais ninguém. Acha que consegue?
— Com certeza.

Desliguei o telefone.
Piero entrou nervoso.

— Então nós temos um problema e você vai fugir? — Ele falou, quase gritando.
— Nós não temos problema nenhum.
— Tudo isso foi porque eu não deixei você dizer que trabalhava em uma sorveteria? Milhões de pessoas trabalham em sorveteria, Liadan.
— E por acaso você tem vergonha delas? Tem vergonha de contar isso para as pessoas? Tem vergonha?
— Eu não tenho vergonha de você, Liadan.
— Mas tem vergonha do que eu fui. Tem vergonha de como me conheceu. É por isso que você evita que eu conte as pessoas como é minha vida, não é? — Perguntei quando lembrei de todas as vezes que, conversando com amigos, Piero mudava de assunto do nada quando surgia algo que poderia resultar em falar de onde eu vim.
— Não é isso, Lia. — Ele disse, em tom doce, se aproximando de mim.
— Então é o quê? Tenho tempo, pode dizer.
— É que… Não sei. Não consigo explicar.
— Tudo bem. Me ligue quando souber o que é. Ah, não se preocupe que vou sair pelos fundos.

Peguei minhas coisas e saí.
É. Bom demais para ser verdade.
Não entendo o porque de esconder o que todo mundo sabe.
Gianluca entrou no elevador comigo.

— Vai pra casa mesmo? — Ele perguntou, pegando minhas coisas.
— Vou.
— Não fica assim, Lia. Logo passa.
— Eu sei. — E sei mesmo, mas não quero ter de passar por isso a vida inteira.
— Então fica.
— Não posso, Gianlu. Minha irmã também precisa de mim. Quase não a vejo mais, não saiu com ela, não conversamos direito e eu não quero isso. — Isso também é verdade.
— Eu entendo.
— E eu não ia ficar mesmo. Não posso andar com ele pra cima e pra baixo e abandonar minha família, minha amiga. — Meu celular tocou no bolso.— Desculpe. — peguei o celular e estranhei.— Francesco? — Atendi.— Pronto.
— Ciao Lia. Tutto bene?
— Sí. E você? E a Dani?
— Estou tentando falar com meu irmão e não consigo. Ninguém de casa consegue.
— Acho que o telefone dele está descarregado. Aconteceu alguma coisa? — Saímos do elevador mas fiz sinal pra Gianluca me esperar parado em frente ao mesmo elevador. Ele me olhou preocupado.
— Eu estou com a Dani no hospital. Ela está em trabalho de parto, mas não está bem. Eu não consigo avisá-lo.
— Pode deixar que eu aviso. Quem está com você? — Comecei a ficar apavorada porque a voz dele era de choro.
— Ninguém. Eu só quero que ele também saiba. Ela não está bem, Lia.
— Entendi. Eu estou com ele aqui em Roma, mas já estou indo pra Bologna. Pode deixar que eu o aviso, mas não sei se ele vai conseguir ir.
— Tudo bem. Obrigado, Lia.
— Espera um pouco. — Corri até a mesinha na entrada do hotel e peguei a caneta que estava sobre o balcão. Usei a minha mão para escrever por falta de papel.— Em qual hospital você está? — E fui anotando conforme ele falava.— Terceiro andar. Certo. Ta bom. Chego aí o mais rápido possível.
— Obrigada, Lia.
— E, Francesco, confia! Vai dar tudo certo!

Desliguei e me permiti ficar desesperada. Controlei o desespero enquanto falei com Francesco, mas agora posso me apavorar.
Voltei pro elevador correndo, discando o número da estação de trem para confirmar qual o próximo horário para Bologna.

— O que aconteceu? — Perguntou Gianluca correndo atrás de mim.
— Francesco está no hospital. Dani está em trabalho de parto. Não está bem. Ele não consegue falar com o Piero. — Falei para Gianluca— Boa noite. Qual o próximo horário para Bologna? — Perguntei para a mulher que me atendeu.
— Em 15 minutos.
— Okay. Reserva uma passagem pra mim, por favor. Liadan Bertizzolo.

Corri com Gianluca até o quarto de Piero novamente. Ele bateu enquanto eu terminava de realizar a minha compra.
Piero abriu a porta assustado no exato momento que finalizei a compra da passagem.

— Francesco não está conseguindo falar com você. A Dani está em trabalho de parto, não está bem e não tem ninguém com ele. Ele está apavorado e estou indo pra lá agora. Ele pediu pra te avisar.
— Como assim? — Ele perguntou, apavorado.— Alguém sabe?
— Ele não conseguiu falar muito. Está apavorado. E todos sabem, mas ninguém consegue falar com você. Mandei você colocar esse celular pra carregar! Eu disse a ele que estou indo pra lá. Ele sabe que você não vai conseguir ir, mas pediu para avisar.
— Quer que eu te leve até a estação?
— Por favor, eu já estou atrasada.
— Você vem, Gianluca?
— Claro. Vou tentar avisar a Barbara.

Literalmente, corremos.
Tentei ligar para Francesco e passei o telefone pro Piero assim que ele atendeu.
As fãs que estavam na entrada do hotel estranharam, mas não falamos o que estava acontecendo e os rapazes não pararam pera fotos e conversa. Gianluca logo entrou no carro com minhas coisas e Piero, como esperado, abriu a porta para mim e correu para o lado do motorista. Ativou a ligação em alto falante. Gianluca falava com a Barbara por telefone no banco de trás.

— Fica calmo e me conta o que aconteceu. — Falou Piero sem demonstrar nervosismo, embora estivesse dirigido em alta velocidade e com uma cara de preocupado que nunca vi antes.— Ontem mesmo vocês me disseram que estava tudo bem e o neném só nasceria daqui duas semanas. O que aconteceu?
— Ela escorregou no banheiro enquanto tomava banho. Foi muito de repente. E agora estamos aqui. — Respondeu Francesco, com a mesma voz de choro.
— O que ela tem?
— Ninguém veio me avisar ainda. Uma enfermeira me avisou que ela entrou em trabalho de parto, mas tem muitos médicos na sala. E ninguém me fala nada. Eu não sei o que fazer.
— Franz, fica calmo! A Lia está indo ficar com você. Ela vai te ajudar. Confia nela e tudo vai dar certo, entendeu? Ela vai chegar aí em umas duas horas, até lá mantenha tudo sob controle, entendeu? Vai ficar tudo bem. Vou estar com vocês pela manhã.
— Ta bom. Lia?
— Sim.
— Nós gostamos muito de você.
— Eu sei, Franz. Eu amo vocês demais e tudo vai dar certo, viu? Estou chegando.

Desliguei o telefone.

— Ela não está bem mesmo. — Falei, para ninguém em particular.
— Não. Caso contrário ele estaria calmo. — Concluiu Piero.
— A Barbara disse que podemos cancelar a entrevista, Piero. — Falou Gianluca.
— De forma alguma. Estarei lá pela manhã. Você me mantêm informado, amore?
— Com certeza. Estou muito preocupada com ele, com a Dani e o bebê.

Piero nem conseguia disfarçar o nervosismo.
Chegamos na estação em cima da hora e quase perdi o trem. Gianluca colocou minhas bagagens para dentro enquanto eu me despedia de Piero.
E é só vê-lo assim, preocupado, triste, que meu coração se parte.

— Vai dar tudo certo. A Dani e o bebê estão bem. Eu aviso você assim que tiver notícias.
— Diz pra ele que eu não pude ir mesmo. Mas estará lá amanhã.
— Ele sabe, Piero. Ele te entende. Você tem que se entender agora. Te mantenho informado.

Me esquivei do beijo oferencendo um abraço.
Suave.
Demorado.

— Fica com Deus.

Me despedi de Gianluca com um abraço muito forte e prometi que o manteria informado também, independente da hora.
Piero ficou me olhando do lado de fora, mas a mente dele estava em um universo paralelo, era visível. Acenei e mandei beijo quando Gianluca fez o mesmo.

***

— Scusami. Francesco Barone, per favore. — falei à enfermeira que estava no balcão do terceiro andar do Hospital Central de Bologna.
— Lia? — Falou Francesco atrás de mim.

Corri para abraça-lo. Ele estava cansado e com os olhos vermelhos por ter chorado.

— Cadê a Dani? Como você está? — Perguntei, o ajudando a sentar novamente.
— Eu não tenho notíciais ainda.
— Tudo bem. Ela está bem. Fica tranquilo. Oh, trouxe umas besteiras pra você comer. Com certeza você não comeu nada. Vamos, se alimente.

O observei comer, aos poucos, o sanduíche e o suco que trouxe pra ele.
Antonella foi quem me buscou na estação de trem e me deixou no hospital prometendo voltar bem cedo no dia seguinte.
Francesco adormeceu após muita luta com o sono, por volta das 3 horas da manhã. Pouco tempo depois, um médico veio até nós.

— Bom dia, senhorita. Ele está mais calmo?
— Não muito, mas está cansado. Como está a Daniela? E o bebê?
— O bebê está bem. É um menino. Acabou de nascer.

Uma felicidade imensa atingiu meu coração. Comecei a chorar.

— E a Dani?
— Ela não está muito bem. Foi um parto difícil. Ela teve hemorragia e tivemos que operá-la. Ela está sedada agora e a levamos para a UTI.
— Ela vai ficar bem, não vai?
— Tem grandes chances. Mas é bom irem se preparando porque ela pode precisar passar um bom tempo aqui.
— Ele já pode ver o filho?
— Pode, com certeza.

Acordar Francesco naquele momento foi a melhor coisa que já fiz na vida. O sorriso no rosto dele, os olhos se enchendo de lágrimas e, finalmente, colocando os sentimentos pra fora quando pegou aquele pequeno bebêzinho nos braços, todo desajeitado.
Sorri para ele quando ele olhou para mim, segurando o filho, e sorriu.

— Qual o nome da senhorita? E o que é do senhor Barone? — Perguntou o doutor que estava ao meu lado, do lado de fora do berçario já que só pode entrar uma pessoa de cada vez.
— Sou Liadan. Amiga da família Barone, namorada do irmão de Francesco.
— Certo. A família deles é daqui?
— Não, senhor. Os pais e os irmãos moram em Sicilia. Eu moro aqui em Bologna.
— Além de você, não tem mais ninguém por perto?
— Não. Vim de Roma assim que soube do que havia acontecido. O irmão dele chegará assim que possível, mas sem horário ainda.
— Certo. Preciso falar com você, então.
— Pode dizer.
— Daniela não está bem. Ela teve PP e Antonia Uterina, que é uma síndrome hemorrágica até comum em mulheres grávidas.
— Sim, Francesco comentou que ela teve hemorragia.
— Não. Ele não tem detalhes. Ele acha que ela caiu no banheiro e isso causou o sangramento.
— Mas não foi isso, né? — Perguntei, começando a roer a unha, preocupada.
— Ela fuma? Já abortou?
— Ela fumava, mas parou há um ano e meio. E teve um aborto, mas bem antes de conhecer Francesco. Ha uns 5, 6 anos, não sei exatamente. — Agradeci mentalmente por ela ter me contado, literalmente, tudo.
— A PP, Placenta Prévia, ocorre quando a placenta fica próxima, ou até mesmo encobre o orifício interno do útero, por onde o bebê sai. Quando essa saída é tampada, a paciente começa a ter hemorragia na hora que as contrações começam. É mais comum em parto de gêmeos, fumantes ou mulheres que já tiveram abortos.
— Foi isso que aconteceu com a Dani. Então ela não teve hemorragia porque caiu. Ela caiu porque teve hemorragia e o bebê iria nascer nesse momento, de qualquer jeito? — Perguntei, começando a roer as unhas da outra mão.
— Exato. Por minuto, passam cerca de 36 litros de sangue pelo útero, por isso é extremamente grave. Mas aponta no ultrassom, e achei isso estranho. Era para ter agendado uma cesária.
— Estava agendada para daqui duas semanas.
— Entendo. Nós realizamos a cesária, mas, de alguma forma, o corpo dela continuou trabalhando para o nascimento do bebê, e, como ela estava em trabalho de parto, após o nascimento, o útero por si só tem a função de contrair, para parar o sangramento, mas o útero dela não fez isso e tivemos de retirá-lo para mantê-la viva.

O mundo parou por alguns segundo ao meu redor. Senti o chão se mover e me apoiei na parede. O doutor me segurou pelo braço.

— Você está dizendo que a Dani nunca mais terá outro filho?
— Infelizmente. O caso dela é grave. Ela perdeu muito sangue e vamos precisar do máximo de doações possíveis.
— Tudo bem. Onde doamos?

Pegue o cartão que o doutor me entregou, onde indicava o local, no mesmo hospital, onde devemos doar sangue indicando o nome da Dani.
Sentei na cadeira e chorei por Francesco, chorei pela Dani e pelo filho deles também.
Francesco ainda não sabia, e não seria eu quem daria a notícia, de forma alguma! Ele demorou muito, muito mesmo, para soltar o filho e voltar para fora, com aquela cara de bobo que todos os pais devem fazer quando seguram o filho pela primeira vez. Enxuguei as lágrimas, mas já sinto que chorei demais porque está tudo grudento por causa do rímel.

— Ele é lindo, Lia! Ele é tão lindo! Parece com a Dani. Vamos chamá-lo de Pietro, como meu avô. Ele é tão lindo!

O abracei, e chorei com ele. Talvez não exatamente pelo mesmo motivo, mas um bebê é, de fato, alegria em qualquer família.

— Com certeza, Franz. Que Deus abençõe muito vocês, e lhe dê muita força.
— Você tem que vê-lo, Lia.
— Vou, pode deixar. Mas você precisa falar com o doutor primeiro. Vem. Vamos até a sala dele.

Levei Francesco até a sala do doutor que havia falado comigo. Aconselhei o médico a esperar eu voltar para contar tudo a Francesco.
Peguei o celular e escrevi uma mensagem para Piero:

“Nasceu!! O bebê está bem, saudável e é lindo!! Mas a Dani não está nada bem. Vem o mais rápido possível, por favor. Francesco vai precisar muito de você!”

Mandei mensagem para Gianluca, Ignazio e Barbara também:

“Nasceeeeeuuuu!! Bebezinho novo na família!! Mas continuem rezando pela Dani. Ela não está bem. Ligo quando puder.”

Acabei copiando essa para Mariagrazia e entrei no consultório.
Eu já esperava que Francesco chorasse, mas não consegui pensar em nada, a não ser “tudo vai dar certo”.
Fiquei chorando com ele, na sala de espera, até Antonella chegar. Eu havia esquecido que ela disse que viria pela manhã.
Expliquei a ela o que havia acontecido e a situação da Dani, como ela não havia tomado café se disponibilizou para doar sangue. Francesco a agradeceu mais do que eu, e nos acompanhou até o local onde a enfermeira colheria nosso sangue.
Doei primeiro, eu não havia jantado e nem tomado café, então sem problemas. Fiquei observando a enfermeira encher uma bolsa de sangue completa. Depois tive de esperar e prometi que iria comer alguma coisa, mas não comi.
Deixei Antonella na sala de doação com Francesco por eles terem se entendido e ela ter conseguido fazer ele parar de chorar.
Sentei na escada e fiquei, literalmente, olhando pro nada até a dor de Francesco chegar em mim è encher meus olhos de lagrimas.
Avistei, lá em baixo, Piero subindo as escadas correndo, acompanhado de Gianluca, Ignazio e Barbara mais atrás.

— Amore! — Ele gritou, quando me viu. Levantei para abraça-lo. Forte. Forte demais. Chorei mais ainda.— O que aconteceu?

Esperei todos se aproximarem para começar a falar.

— O bebê está bem. A Dani teve hemorragia, que se complicou, e tiveram que retirar o útero dela. Perdeu muito sangue. Está na UTI. Temos que doar sangue para o hospital. Acabei de doar. Antonella está com Francesco na sala de doação. Ele está mais calmo agora.
— Quero vê-lo.

O levei até o local onde deixei Francesco e Antonella. Não consegui vê-lo abraçar o irmão, chorando. Aquilo me partiu o coração.
Fiquei andando enquanto todos estavam lá dentro.
O médico que cuidou da Dani me encontrou novamente.

— Ele está mais calmo? — Perguntou.
— Sim, senhor. O irmão dele acabou de chegar, com amigos, estão todos com ele. Já doei sangue, minha amiga está doando e vamos encontrar mais pessoas.
— Isso é bom. Muito bom. Você já viu o bebê?
— Não. Ainda não.

Ele bateu no vidro do berçario onde o bebê estava e uma das enfermeiras saiu.

— Natali, essa é a tia daquele pequeno guerreiro ali.
— Do Barone?
— O próprio. Você pode deixá-la levar o bebê até o pai e os tios que acabaram de chegar?
— Claro, doutor Halsted.
— Obrigado. — Falei ao doutor, que com certeza estava indo embora.

Entrei na sala com a Natali. Observei como ela segurou o Pietro antes de pegá-lo, já que não tenho experiência com bebês.

— Vou acompanhá-la, por normas do hospital, tudo bem? — Ela perguntou antes de me entregar o bebê.
— Sim. Tudo bem.
— Vocês tem um grande guerreiro na família.
— A família inteira é formada por guerreiros. — Falei, sorrindo, e peguei Pietro no colo, com muito cuidado.

Ele ressonou, deu sinal que iria chorar, mas se acalmou.
Francesco estava errado. Ele tinha o nariz do Gaetano e o formato do rosto de Francesco, o mesmo queixo. Bochechas gordinhas. Bem cabeludinho. Dobrinhas no braço. Mãozinhas pequeninas, lindas.

— Seja bem-vindo ao mundo, Pietro. — Falei baixinho e beijei a testa dele. Como ele é fofo!

Ele abriu os olhinhos, com dificuldade e aos poucos, mas abriu. Me olhou e sorriu. Enchi os olhos de lágrimas.

— Isso mesmo, pequeno. Seja bem-vindo.

O beijei na testa novamente.

— Acho que ele tem visita. — Falou Natali, apontado para o lado de fora.

Francesco, Antonella, Piero e todos os outros estavam olhando pelo vidro. Me aproximei, para eles verem de perto, mas fiquei na frente de Francesco.

— Esse é o seu papai, Pietro. Sorria pro papai, vamos.

Francesco colocou as mãos no rosto, escondendo um sorriso. Eu ainda chorava.
Pietro o observou por um tempo, com aqueles olhos escuros típico dos Barone, e depois sorriu.
Me derreti em lágrimas.

— Todos os outros são seus tios. — Continuei falando, em prantos. Acho que ele me entende.— O tio Piero. Se você erdou o dom da voz, como ele, já tem um professor de canto, mas ele é chato às vezes. Aquele ali é o tio Gianluca, ele entende muito de estilo. O mais alto é o tio Ignazio, você vai se divertir muito com ele, vai por mim. A tia Bárbara, ali atrás, é mãe e irmã de todo mundo. A tia Antonella, ali, é igual o tio Ignazio. E tem a sua mamãe, que logo você verá. Ela é linda e tem um coração enorme. E todos te amam muito.

Ele se mexeu e soltou um gritinho, pensei que ele fosse chorar mas voltou a sorrir.
Francesco e Piero tiravam fotos para enviar pra família e guardar de recordação.
Natali me deixou sair com ele, e logo o entreguei aos cuidados de Francesco. E o bebê foi passando de colo em colo, conhecendo a família.

***

Acordei assustada caindo em cima da bolsa de Antonella, que estava na cadeira ao lado da que eu havia sentado.
Ignazio e Gianluca me olharam assustados.

— Tudo bem? — Perguntou Gianluca. Já rindo.
— Dormi muito?
— Uns dez minutos — Respondeu Ignazio.
— Vocês viram a Antonella?
— Foi ao banheiro. — Respondeu Gianluca.
— Francesco! Cadê ele? Ele está bem?
— Sim. Ele está bem. Foi ver a Dani, na UTI, com a Barbara e Piero. — Respondeu Ignazio.
— Você precisa descansar, Lia. — Falou Gianluca.
— Estou bem. — Falei.
— Está bem pálida! — Falou Antonella, batendo no meu ombro.— Você não comeu, não é?
— Ótimo. Também estou com fome. — Falou Ignazio.— O que vocês vão querer?
— Obrigado, Nazio, mas ela vai pra casa comigo. Se depender dela, não sairá daqui tão cedo. Ela precisa descansar, e depois de ontem, com certeza precisa de um tempo de tudo isso também.

O mundo estava girando e falar exigia muito esforço, então não comentei nada.

— Entendemos. Será bom pra ela, com certeza. Ela precisa dormir, passou a noite inteira aqui. É demais pra qualquer um. — Falou Gianluca.
— Não quer esperar para ela falar com Francesco? Com Piero?
— Melhor não. Parece que o Piero não gosta muito de mim. A trago de volta, alimentada, no final da tarde. Algo me diz que vocês ainda estarão aqui até lá.

A voz deles foi se afastando aos poucos.
Acordei antes do almoço, na minha casa.
Não encontrei ninguém no quarto comigo. Levantei e desci até a cozinha.
Leah correu para me abraçar. Retribui o abraço dela.

— Você está acabada, Lia. — Falou Antyh.— Não tem maquiagem no mundo que suma com esse olho inchado. Vem, vamos comer. Seu pai pediu comida pra nós.
— Meu pai? — Perguntei.— Ele nunca fica em casa.
— Mamãe já está em casa, Lia. Ela chegou ontem. O médico vem visitar ela direto.
— Que médico, Leah?
— Aquele que você não gosta.

Encrenca na certa!
Antonella me olhou, mas não falou nada.
Almoçamos e subi para ver minha mãe, que estava no quarto, o que não foi uma boa ideia porque ela só não jogou a televisão em mim porque não teve forças para erguê-la.

— Não quero aquele rapaz aqui, entendeu? — Ela gritou. Leah apareceu apavorada na porta do quarto.
— O que a senhora tem contra ele? O que aconteceu?
— Não tenho que dar explicações, Liadan! Não quero vê-lo aqui, fui clara?
— Ele e a família dele rezaram pela senhora, mãe! Não vou impedi-lo de entrar nessa casa. Fale isso pra ele a senhora mesma!
— Então você também não entra mais nessa casa.

Foi como levar um soco no rosto.
Antonella entrou no quarto e me manteve em pé.
Não entendo qual o problema dela com Piero. Não entendo.

— Dona Bertizzolo, fica calma. Não toma decisões precipitadas. — Ela disse.
— Não. Tudo bem, Anty. Já entendi. Eu vou, mas a Leah vai comigo.
— E vai fazer o que com ela, colocar pra andar pra cima e pra baixo, esse país inteiro, atrás desse Piero, como uma barata tonta, igual você?

Respirei fundo.

— Ela não vai crescer sem oportunidades! Ela vai comigo! E não se mpreocupe, eu saio antes do sol se pôr.

Bati a porta com força quando saí. Antonella e Leah me seguiram até o quarto.
Peguei um travesseiro e o usei para abafar um grito.

— Uma semana na minha casa. Vai ser um tédio sem poder sair, eu sei. Mas vou ficar aqui em Bologna essa semana. Logo ela abandonará essa ideia louca. Minha mãe te ama e vai amar ter você lá.

Concordei com Antonella.
Leah chorou mas entendeu muito bem o que estava acontecendo. Eu só iria passar uma semana longe de casa.
Separei duas mochilas e duas malas porque tenho de levar roupa pare dormir e para trabalhar, sapatos e tudo o mais. Maquiagem, acessórios, tudo.
Avisei ao meu pai que irei passar uma semana com Antonella e apenas isso, não quero que ele brigue com minha mãe. E fiz Leah prometer que não irá contar nada.
Decidi não contar a Piero também. Ele já tem problemas demais para se preocupar.
A mãe de Antonella me recebeu muito bem, como sempre, e até ficou animada com a ideia de ter mais uma pessoa em casa. Contamos a ela o que havia acontecido.
Liguei para Francesco e pedi desculpa por sair sem me despedir, avisei que não volto mais lá hoje e prometi passar no hospital amanhã. Pedi para ele avisar o Piero.
Ele parecia estar melhor.

Dormi após fazer trança embutida no cabelo da mãe de Antyh, acabei fazendo nela também, e apagamos na mesma cama, de Antonella, enquanto conversávamos.
Tive uma semana complicada, cansativa e extremamente exaustiva dividada entre o trabalho e o hospital, ligações e mais ligações.
Voltei pra casa no domingo, mas passei o dia com Leah no parque.
E, enfim, me preparando para os últimos dias antes do show. Correria e muito estresse.
Após uma semana e meia, a Dani já estava acordada, o que era ótimo, mas continuava na UTI. Segundo o médico, ela sairá dali logo.

“A vida é um quebra-cabeça e todas as peças se encaixam aos poucos.”

Continua…
Fic revisada em 2023.

5 comentários em “Fã Fic – Per Te Ci Sarò (Capítulos de 43 a 50)

  1. May, eu estava com tanta saudades da fanfic, que sonhei que ela tinha virado uma série da MTV. Kkk… Na mesma semana, sonhei com os rapazes três vezes.
    Não entendo porque o Piero tratou a Lia daquele jeito, será que é mesmo vergonha? E por que ele não gosta da Antonella? Ela apoia tanto o relacionamento dos dois… Por favor, não mata a Dani. E a mãe da Lia vai ver que aquele médico é um safado quando? Deus, ela não pode continuar tratando a filha assim… Amando, obrigado pela história! :-*

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  2. Meu Jesus, estou ansiosa pra saber mais dessa história ! O Piero tem vergonha dela 😒 E a mãe dela tá com muita graça,será que ela esconde algum segredo ? Tô amando até o último suspiro ❤️️

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  3. May como é que você faz isso comigo? Meu coração tá em pedaços. Como assim o Piero tá se tornando esse cara ruim? Com vergonha da Lia.
    Cara eu pensei que o Tiziano ia beijar ela, não sabia que ele era gay quase infartei.
    Menina não destruía esse amor e não mate ninguém.
    Ah a mãe da Lia é uma sem vergonha e aposto que vai ficar muito feliz em saber dessa briga dos dois
    Tenha do dela
    Agora q as coisas estão melhorando
    Não maltrata ela

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  4. Nossa, quantas emoções! Retratar vidas, relações entre pessoas mostra como vivemos muitos momentos de alegria, tristeza, vitórias, dor e ainda teimamos em pensar que vivemos pouco. Esta história me faz refletir sobre minhas vivências, momentos em que vivo um conto de fadas, momentos em que me deparo com o lado duro e cruel da vida, mas sempre fica o aprendizado de que aconteça o que acontecer, não posso perder a fé no amor, na amizade, na família e nas conquistas que meu coração um dia sonhou, realizou e ainda almeja. É a vida, uma extraordinária aventura! Parabéns pelos capítulos publicados! Estou ansiosa por mais e mais May. Beijão.

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