Fã Fic – Per te Ci Sarò (Capítulo 84)

Piero.

Cheguei atrasado em casa porque parei para tirar foto e conversar com alguns fãs no meio do caminho. Acabei perdendo a abertura do programa.

—Trouxe as bolachas e o vinho? —Perguntou Francesco, que estava nos visitando sem a Dani, que preferiu ficar em casa com Pietro alegando que ele é pequeno demais para fazer viagens, mas discordo. Ele é um Barone. E “viagem” é uma palavra que já faz parte do DNA dele.
—Claro que trouxe. —Respondi colocando as sacolas de compra do mercado em cima da mesa.
—VOCÊS VÃO PERDER O PROGRAMA INTEIRO MESMO? Ela está tão linda. —Gritou Maria, da sala. Corri até ela e me joguei no sofá, ao seu lado.

Era para meus pais estarem aqui conosco, mas decidiram viajar para ter um tempo apenas entre eles mesmos. Acho maravilhoso isso deles “manterem o amor vivo”. Espero fazer exatamente o mesmo quando completar, 30, 40 anos de casado com a Liadan.

—Perdi muita coisa? —Perguntei, pegando a bacia enorme de pipoca da mão dela.
—Não muito. Eles entraram, cantaram uma música e a apresentadora pediu para todos ficarem, incluindo a Lia e o Gabi. E veio o comercial.

Tiziano está no México já faz três dias, e ficará lá por mais quatro dias seguidos. Hoje ele está participando de um programa ao vivo, como onde ele aparece a Lia e o Gabi têm de aparecer, como “sombras”, -li isso em um comentário na última foto que Tiziano postou, no instagram, com a Lia e o Gabi, hoje pela manhã “você e essas sombras”– cá estamos: reunião em família e amigos para assistir um simples programa, porque rejeitei o convite de Dario para ir em uma balada essa noite, mas a culpa não é apenas do programa, não estou muito empolgado e inspirado para ir em baladas ultimamente, estou mais interessado em voltar para Bologna e tentar desvendar os mistérios sobre a vida da Lia, mas não posso fazer isso agora porque preciso (não por obrigação, mas porque quero) ficar um pouco com meus irmãos agora que tudo está resolvido por lá.
Sem contar que não sei muito bem por onde começar quando chegar em Bologna. Quem procurar? A Antonella? Talvez ela saiba alguma coisa, mas duvido muito porque, se o que a Leah disse estiver certo, a Lia não sabe, logo não tem como ela saber. Então procuro quem? A “minha sogra”? Se é que ela é a minha sogra. Bem que sempre achei estranho a forma como ela passou a tratar a Lia. Não só eu, mas minha família também, sem falar que minha mãe a condena por ter colocado a Lia pra fora, “que tipo de mãe coloca uma filha, como a Liadan, depois de tudo o que a garota fez, para fora desse jeito?”. E sequer lembro o nome dela… Natalie? Kate? Algo assim? É, definitivamente não dá para procurar na fonte da informação. O pai dela é legal, mas me evita tanto quanto um cidadão preocupado evita caminhos com poucas pessoas e sem iluminação quando volta tarde do trabalho com medo de assalto ou coisas do tipo. Quem eu procuro então, se a família da Lia é apenas a mãe, o pai, a irmã e a amiga? Não tem quem procurar se eu for ficar com medo de qualquer um. Eu tenho que começar pela Antonella, simplesmente porque vai ser um começo, embora muito incerto, mas um começo.

—PIEROOOO! — Gritou Mariagrazia, batendo na minha testa. Ela riu muito alto.
—Estava pensando no quê? —Perguntou Davide, um dos amigos que decidiu cancelar o compromisso de hoje para ficar aqui em casa. Deve ser entediante para eles, mas entendo que fazem tudo isso devido nossa amizade.
—Pequenos mistérios. —Diminui um pouco a importância do assunto que atormenta meus pensamentos porque não vou transformar a vida da minha mulher em um livro de mistérios. Por mais que eu ame minha família e amigos, isso é muito particular.
—Quantos anos tem o Tiziano? — Perguntou Mariagrazia, olhando para a imagem dele sorrindo na televisão.
—Sei lá. Uns 40, no máximo. —Falou Dario.
—Ele é muito bonito. — Comentou Asia.
—O sorriso dele é único, encantador. — Disse Grace.
—Sem falar que ele parece ser tão fofo, tão carinhoso. O jeito que ele dança com a Lia…parece que eles flutuam no palco, né? Dá para jurar que eles são um casal. — Falou Mariagrazia.
—Pronto! Agora se unam e criem um fã clube para ele nessa casa. É só isso o que me falta mesmo. — Falei.

Levantei do colo de Maria e fiquei sentado, comendo chocolate.
Eles dançavam Sere Nere. A câmera fica mais tempo em Tiziano, como esperado, mas a Lia e o Gabi aparecem demais também.
Gostei da cor escura das unhas da Lia, um tom de vinho? Com certeza é tom de vinho. Ela está incrível! Tudo bem que essa renda nos vestidos que ela têm que usar durante a turnê ajuda a cobrir exatamente nada, mas faz ela ficar ainda mais perfeita. O tom de vinho do vestido realmente combina com o tom de pele dela. A maquiagem, sempre com o preto nos olhos e o vinho nas lábios,o cabelo liso/ondulado enorme indo de um lado para o outro em cada passo. Gostei da sandália fechada com o solado vermelho que ela estava usando, mas não gostei do jeito como a câmera começou nos pés dela e subiu vagarosamente até a mão de Tiziano, em um lado de sua cintura -dando para ver cada pequeno círculo de brilho (glitter?) que ela tem que colocar na perna- e afastando a ponto de ver a mão de Gabi do outro lado. Sempre com aquele sorriso lindo dela, embora cansada e suada, tem de manter a pose.
Eles sentaram em bancos, com Tiziano ao meio, e a apresentadora começou a entrevista. Tiziano respondeu sobre o novo projeto, sobre as ideias, o trabalho, a escolha do repertório, tudo exatamente como nós também fazemos.

—Nós já sabemos como aconteceu a seleção para os bailarinos, mas têm algum favoritismo agora? Como fãs? —Perguntou a apresentadora
—Você quer saber se eles tem benefícios? —Retrucou Tiziano. A apresentadora fez sinal positivo.— Não! Eles não tem benefícios como fãs, e é ótimo você ter me perguntado isso porque estou ciente das especulações sobre esse assunto. Eles são pessoas normais, como eu, você, o câmera que nos filma, o auditório. Eles não têm benefícios, e é a verdade. Gabi, por exemplo, foi em apenas um show meu, em Roma, né Gabi? —ele confirmou.– e Liadan, que todo mundo decidiu atacar agora, nunca teve a oportunidade de ir em um show meu. Nunca. Sabe o que eles têm em comum? Não é eu, ou trabalharem comigo, ou estarem aqui com você, é o fato de que os dois são grandes fãs meus e, ao mesmo tempo, são os únicos fãs meus, no mundo inteiro, que não poderão ter a oportunidade de assistir a um show da última turnê ao vivo. Isso não é benefício, e, para qualquer fã, é tristeza. Estar em cima do palco, cheio de responsabilidade, não é curtição de fã. É um trabalho!
—Mas não é trabalho o tempo todo. —Falou a apresentadora.
—Claro que não. Nós somos pessoas normais. E eles estão começando a vida agora. Sabe como são os jovens: gostam de sair, de curtir.
—E como é trabalhar com fãs? —Ela perguntou.
—Isso nunca tinha me passado pela cabeça, foi sugestão de um amigo, e agora penso que todos os artistas deveriam fazer algo assim pelo menos uma vez na carreira.
—Por quê?
—É incrível a força que eles tem, o jeito como te colocam para cima, a forma de querer tudo 100% perfeito. Esses dois aqui estão dando muito por esse projeto. A Lia ajudou muito na forma de tornar todo o projeto mais próximo dos fãs, eles deram muitas dicas e ideias em tudo. Vi, muitas vezes, eles sendo os primeiros a chegar nos ensaios e os últimos a saírem. Esses dois dormem pouquíssimo. O Gabi não aparenta muito o cansaço, mas a Lia..se não estiver de óculos escuro é porque está maquiada.
—Por que essa diferença? —Perguntou a apresentadora.
—Os palcos são totalmente diferente em cada casa de show, cada estádio. Fazer a passagem de som é fácil, mas eles precisam recriar e cancelar algumas partes da coreografia original de acordo com a distribuição dos instrumentos no espaço do palco. E o Gabi tem um sério problema em decorar passos, então eles refazem e refazem as coreografias inteiras antes dos shows para ter certeza que será perfeito. A Lia ainda se envolve em outros projetos com fãs, dentro dos shows, e isso gera reuniões e ela acaba dormindo menos. Sofremos muito quando é dobradinha em cidades diferentes, e teremos muito disso nas próximas semanas.
—Quais são esses projetos com os fãs?Você pode contar pra gente? —Tiziano colocou a mão sobre a perna da Lia, dizendo que ela devia responder.
—O Tiziano têm um site, da nova turnê, onde os Fã Clube Oficiais se cadastram. Em cada cidade que passamos, entramos em contato com os responsáveis pelo fã clube oficial daquela cidade e solicitamos uma carta breve, em nome de todos os fãs, que é lida -e creditada- para o Tiziano antes da última música de cada show. Marcamos uma reunião com o fã clube e recebemos a carta e os objetos que devem dar vida aos “5 minutos destinados ao TZN”. Na maioria das vezes eles pedem que eu use também a roupa do fã clube deles, que Tiziano autografa, sempre duas, uma para a equipe -que fica de lembrança- e a outra é devolvida para o fã clube, autografada, e com uma carta escrita à mão pelo próprio Tiziano, exclusiva, para cada um deles.
—Isso é muito legal, bem diferente.
—E bem cansativo. —Explica Tiziano.— Quem faz tudo isso é a Lia. Desde o primeiro contato, até a entrega da carta que eu escrevo. Já estamos aqui há três dias e você dormiu quantas horas, no total, Lia? 14? 15?
—13. —Ela respondeu.

13 horas? Em três dias? O que é isso, Liadan?

—E ela está atrasada. Está vendo? Isso parece favoritismo? —Perguntou Tiziano, rindo. Todos riram do tom de voz dele.
—Não. Com certeza não. E como é trabalhar com um ídolo? —Insistiu a apresentadora. Dessa vez quem vai responder é Gabi.
—É como trabalhar com qualquer outra pessoa. Enquanto você está em casa, o vendo pela televisão, tudo parece surreal e você anseia por estar aqui, onde estamos, mas com o passar dos dias ou você o ama de vez, ou o detesta de vez. —Tiziano começou a gargalhar. Ele estava se divertindo com isso.—Sério, não existe meio termo. A Liadan pode explicar isso melhor, não sou muito bom em me expressar em público quanto ela.

Tiziano ainda ria. O rapaz estava certo: é, realmente, amor ou ódio. Lia escolheu amor, é evidente.
A imagem de um rapaz, um desses ajudantes de palco, sem camisa, alto e musculoso, desses que evidentemente passam a maior parte do tempo preocupado em encher os braços e esvaziar o cérebro, olhando para Lia e fazendo sinal positivo com a cabeça apareceu na televisão. Tive vontade de levantar e desligar aquilo, acabar com a palhaçada, mas não fiz isso.
Eu decidi mudar algumas atitudes. Trabalhar o ciúme, para ser mais exato. Então estou me esforçando para manter tudo sob controle, deixar ela sair com o amigo, não surtar por ela atrair olhares, assobios, cantadas, essas coisas, porque tudo é fase. Lia é quatro anos mais nova que eu, na idade exata, perfeita, dos 20 anos. É realmente linda, e digo isso porque é o que acho, sem bajulação, sem precisar de maquiagem, nada, ela é linda, e mais linda ainda por ter o coração que tem, por ser quem é. A maquiagem, as roupas, tudo apenas ajuda, mas ela erradia beleza por si só, enquanto dorme, enquanto ri, quando fica nervosa. Ela está na época perfeita para a mídia: 20 anos, linda, doce, encantadora, curvas perfeitas, pernas perfeitas, sorriso perfeito, corpo perfeito, pele bronzeada radiante, cabelo perfeito, tudo perfeito e, claro, o estilo único, que é a cereja em cima do bolo. Acrescente ao recheio um pouco de ironia, olhos misteriosos, bondade, compaixão, amizade, loucura, e aventura, e coloque de brinde, no saquinho surpresa, partidas de basquete, jogos de vôlei, jogos de futebol, videogame, leitura, música e dança e aqui está, na sua frente, a fórmula para fabricar a figura pública perfeita: a garota/mulher que uma adolescente quer ser; a mulher que uma mulher -tanto mais nova, quanto mais velha- vai odiar por vê-la em todos os lugares alegando que “não sabe o que todo mundo vê nessa garotinha sem sal, ela sequer é bonita de verdade, cheia de plástica” embora ela mesma saiba que isso é mentira; as mulheres mais velhas lutando com elas mesmas para conseguir chegar no mais perto possível do seu corpo; as mães de família se lembrando dos sonhos deixados para trás, do tempo “que eram como ela”; os rapazes falando besteira quando olham pra ela; os homens desejando alguém como ela…
E pan! Lá está ela, em todos os lugares porque as revistas precisam dela para criar moda -eu quero o cabelo como o dela, eu quero aquela roupa, aquela jóia, aquela maquiagem, aquele acessório, preciso disso para que ele me olhe- e ela aparecer é sinal de audiência. É nisso que Tiziano a está transformando, todos nós já percebemos: uma máquina de números. Número para atrair fãs, número para atrair pessoas para shows, números para atrair colaboradores. Números, números, números. Torpedine inciou a conversa sobre isso na ultima reunião que fizemos semana passada.
Ele e Bárbara acham que Lia não faz ideia do que Tiziano está fazendo com ela, profissionalemente, e acham que nós podemos fazer o mesmo. Não precisei dizer nada, porque Gianluca quase voou em cima da mesa, gritando que não usaria a amiga para ter fama; enquanto Ignazio murmarava que isso era ridículo. De fato, é até meio desumano.
Mas, como eu disse, é uma fase. Quando ela chegar aos 50, não vai estar mais bonita para a mídia, mas ainda será a pessoa mais linda do mundo para mim, e a fase de ciúme terá passado. Pode parecer mesquinho, e sei que é, mas é isso que me  tranquiliza: saber que tudo vai durar só três  década, e vai passar. Simples assim. Então estou controlando o ciúme para não parecer um adolescente idiota, como da primeira vez. Vou fazer dar certo de agora em diante, para sempre.

—Tiziano não é divertido? É isso que você está dizendo? —Perguntou a apresentadora. Tiziano ria mais.
—Ele é divertido quando pode ser. —Falou a Lia, de forma doce.— As pessoas tendem a pensar que é diversão o tempo inteiro, porque é isso o que mostramos nas nossas redes sociais, mas não é assim o tempo inteiro. Acho que ele assumiu o papel de irmão mais velho, protetor, sabe? E nós temos regras a cumprir: horário para acordar, roupa para usar, uma dieta certa em horários certos.
—Que ela ignora 100%. Literalmente. —Interrompeu Tiziano, de um jeito engraçado. Todos riram.— É sério! Ela não come nada saudável exceto suco natural e fruta. Nada mesmo. É até estressante ter de ficar insistindo. —Eu ri ouvindo todas essas verdades. Ri muito.—Eles são mais como filhos: come isso, não come aquilo. Você me entende? —A apresentadora concordou rindo muito.
—Eles preferem lanches, salgados, essas coisas prontas, não é?
—Exato! É só não colocar nada muito saudável.
—E a pessoa tem esse corpo, meu Deus! Como? —Perguntou a apresentadora, rindo.
—Dança. —Respondeu Tiziano, de imediato.— Academia. Eu e Gabi fazemos uma hora de esteira, ela faz mais do que isso. Vôlei. E as frutas. Ela vive apenas de frutas durante as viagens. Ai você olha pro ser humano e ele está assim: perfeito. É de chorar! Você tem filhas?
—Duas. —Respondeu a apresentadora.
—Sabe como é chato quando elas começam a namorar? Ou quando você sai com elas e todos os rapazes ficam olhando, como os seus quase magic mike ali. É constrangedor isso! —Tiziano falava inconformado, com as mãos. Virou um programa excelente de comédia.
—Ele fica muito nervoso quando sai com ela, de verdade. —Diz o Gabi.— Eles, na verdade nós, sempre fingimos ser um casal porque é muito chato mesmo.
—Vocês tem namorados? —Perguntou a apresentadora.
—Sim. —Respondeu Tiziano.— Os dois são muito bem comprometidos.

Tiziano quase caiu do banquinho, em cima da Lia. Todos rimos muito, principalmente aqui em casa. Programas ao vivo são bons por causa disso: nada editado, tudo muito natural.
E em menos de dois segundos, lá estava Tiziano cantando Lo Stadio.
Comercial.
A platéia estava bem animada fazendo perguntas sobre o que Tiziano vai fazer da carreira agora, que era uma grande dúvida minha também, e ele respondeu que vai continuar trabalhando como produtor e tem grandes projetos que envolvem a Lia. Isso me preocupa muito, não sei bem como, mas me preocupa.
Não prestei muita atenção nas perguntas seguintes e, quando percebi, Tiziano já estava cantando Il Conforto -música que conheço muito bem de tanto ouvir Gianluca cantar, e lembro de ouvir a Lia cantarolar o ritmo algumas vezes— dançando como se fosse o namorado da minha mulher, os toques, a mão dela no rosto dele, o jeito como ele pegou a mão dela e beijou, sorrindo, o beijo dela no canto da boca dele, a mão dele na perna dela, a perna bem encaixada entre a dele…
Não aguento mais ver isso! Estou tentando, mas não dá!
Com o término daquela palhaçada, Tiziano anunciou os próximos três shows na cidade e o programa acabou.
Fim da brincadeira “Torture o Namorado Ciumento Que Está Em Casa e Não Pode Fazer Nada” porque ele faz exatamente o mesmo, ou pior, quando está em turnê e a namorada não ciumenta não se importa.

***

Estou me perguntando, já faz algumas horas, se Antonella mudou a concepção que tinha sobre mim ou se a conversa que me aguarda não será tão produtiva quanto espero que seja. Não é uma informação secreta do FBI que eu não fui uma pessoa muito agradável com ela, e quando digo “muito agradável” estou dando créditos a mim mesmo, talvez até muitos créditos. Eu estava em um momento que queria a Lia 100% ao meu lado e Antonella criava uma barreira, nos separando. Ainda quero a Lia ao meu lado o tempo inteiro, mas estou aprendendo a ceder aos poucos.
O sinal da internet 5G ficou fraco e a tela do GPS simplesmente travou. Nada da mulher me falando o caminho a seguir com aquela voz horrível. Continuei seguindo a estrada, sem aderir a nenhuma entrada. Passei direto por duas ruas à esquerda e uma à direita, foi quando o GPS me informou que eu deveria ter entrado na primeira à esquerda e me mostrou um caminho para fazer o retorno. Não gosto das ruas daqui porque ainda não me acostumei a elas.
Estacionei o carro em frente a casa de número 8, por volta das 14h30, como combinado. Olhei a mensagem no celular para ter certeza de que eu não estava prestes a bater à porta da casa errada. Às vezes me pergunto até onde vou levar isso de Sherlock Holmes baseado em um caso sobre a vida da minha mulher sem que ela saiba. Alguns podem achar isso errado, e deve ser mesmo, mas eu só quero ter certeza de que nada vai magoar a Lia.
E se tudo que ela souber for uma mentira? Isso pode acabar com ela. Não vou deixar ela sofrer, então tenho de estar um passo a frente nessa história.
Toquei a campainha e Antonella abriu a porta exatos três segundos depois. Sim, eu estava contando os segundo porque me acalma.
Entrei e fiz tudo conforme ela mandou. Me sentei em um sofá na sala e observei enquanto ela ia até a cozinha e voltava com um copo de suco de laranja na mão.

—Lia sempre disse que você é uma pessoa simples então não me preocupei em comprar nada chique para tentar impressionar você. É o mesmo suco que a Lia toma.

Aceitei o copo e moldei o melhor sorriso de agradecimento que o momento permitia.

—Perfeito. Obrigado. Suco de laranja é ótimo.

Já aprendi a não rejeitar comida porque isso pode deixar as pessoas magoadas. Na maioria das vezes aceito por educação, mas eu estava realmente com sede naquele momento.

—E então? —Ela perguntou sentando-se de frente para mim, cruzando as pernas. Ela é linda. Bem o oposto de beleza da Lia, mas linda.

Pigarreei para conseguir mais alguns segundos antes de começar a história.

—Preciso saber um pouco mais sore o passado da Lia. Tiziano vai fazer uma homenagem para ela e o Gabi no último show da turnê pelo exterior e perguntou se eu conseguiria algumas informações. Ela é incrivelmente fechada quando o assunto é o passado, então achei que, talvez, você pudesse nos ajudar.

Foi a melhor história que eu encontrei, e passei uma noite inteira para conseguir cria-lá. Não é fácil encontrar uma forma de obter informações da melhor amiga da minha namorada sem que ela conte essa história para ela depois. Sei que não tenho muito tempo até o final da tour do Tiziano, e minha esperança é que ela simplesmente esqueça desse momento até lá.

—Lia esconde a história dela a sete chaves, é verdade.
—Por quê? —Perguntei, curioso. Eu não havia preparado uma lista específica, mas tenho noção de algumas perguntas para fazer.
—Ela sofreu bastante quando chegou aqui. Por que você acha que sou a única amiga dela? Além do fato de que fomos feitas para isso. Ela era excluída. Chamavam ela de “prostituta” na escola, você sabe como são esses idiotas mesquinhos. É o mesmo lance do Harry Potter e os sangues puros. Liadan não é italiana, e daí? Nunca me importei com isso. Mas as meninas do colégio foram horríveis com ela, e ela viveu anos horríveis até o Scott chegar e mudar tudo.
—Então você já conhecia a Lia? Desde antes da escola?
—Não! Claro que não. Meus pais me ensinaram a ser gente, a tratar todo mundo igual. Foi assim que eu me aproximei da Lia: comecei a defendê-la, porque ela nunca demonstrou se importar com isso, sabe? Mas eu me importava! Não dava para ver aquilo e ficar calada. Acabamos virando amigas, melhores amigas e irmãs.
—O que esse Scott fez? Cheguei a vê-lo uma vez e, para ser bem sincero, detestei ele. —Ela sorriu. Isso deve ser bom.
—Também nunca fui com a cara dele, mas tenho que admitir que ele fez um bem enorme para a Lia. Isso vai estar na homenagem?
—Não. Não. Foi mais para satisfazer a minha curiosidade mesmo. —Ser sincero deve ajudar um pouco.
—Sei. Ele sempre foi famosinho na escola e fazia fachada de bad-boy para manter o lugar no time de basquete. O pai dele era do time. Você é homem, deve estar pré-programado para entender essas coisas idiotas e sem sentido do sexo de vocês. No fundo, bem no fundo, ele era legal. Quer dizer, um cara como ele poderia namorar qualquer garota, poderia trocar de namorada todo mês, mas não. Ele nunca se interessou por ninguém e sempre pensei que era porque ele se achava bom demais para qualquer pessoa nesse planeta e então, do nada, ele pediu pra sair com a Lia. E umas duas semanas depois estavam namorando.
—Esse Scott mora perto? —Perguntei, colocando o nome dele no topo da lista de pessoas com quem falar.
—Ele se mudou sei lá pra onde, por isso terminou com a Lia. Foi fazer faculdade fora para aumentar o ego dele. Dizem que ele voltou e que a família dele está atolada em dívidas por causa da mãe, mas nunca vi ninguém.
—O que você sabe sobre os pais da Lia? — Fingi ser uma pergunta qualquer, sem importância. Ela mordeu a isca.
—Sei que a família dela é maior no Brasil. Ela nasceu por lá e veio pra cá logo em seguida, você sabe. Os pais dela se conheceram aqui, mas foram para lá antes dela nascer. Acho que não deu muito certo, então voltaram com ela e tiveram a Leah. Até onde sei ela tem dois tios por parte de pai e uma tia por parte de mãe, mas eles nunca se vêem nem nada.
—Ela quer voltar pra lá, né? Para vê-los.
—Ela sempre quis. Sempre falou que voltaria. Acredito que ela fará isso. Com ou sem você.
—Comigo. Com certeza comigo. Porque a Lia nunca falou que a mãe dela tem irmã? Leah também nunca falou nada.
—Ah, porque a mãe da Lia cresceu sendo humilhada por ela, acho que era mais velha do que ela, batia, machucava e tudo o mais. Essas coisas bem Brasil, sabe? As meninas na escola diziam que a tia da Lia tinha um bordel e usava a mãe dela para essas coisas, entende? Por isso chamavam a Lia de prostituta. Julgavam que ela fazia o mesmo, mas a mãe dela simplesmente se casou com o pai dela e tiveram a Lia, viveram a vida deles e depois voltaram para a Itália. E cá estamos.
—Que história! — Falei, absorvendo cada palavra. Decorando cada detalhe.
—Eu sei. Nem o Sargento Voight descobre a verdade nisso tudo. Ou a Olivia Benson. São personagens de séries que eu e a Lia assistimos. —Explicou quando viu minha cara de confuso.

Enquanto Antonella foi até a cozinha pegar mais suco me perguntei se seria bom ir até a casa dos pais da Liadan. Cheguei a conclusão, antes mesmo dela voltar com o suco e bolachas, de que vou fazer isso. Afinal, são só perguntas bobas e nada que envolva um assassinato ou algo parecido.
Passei o resto da tarde descobrindo que, se existe alguém que é o oposto da Lia no quesito sentimento, esse alguém é a melhor amiga dela. Como isso é possível? Mulheres, ninguém compreende vocês, nem vocês mesmas!
A Lia era muito família, mas está mudando, ou talvez a família dela tenha se renovado, enfim. Já Antonella parece o tipo de garota que iria em uma balada diferente todos os dias em Milano, se pudesse.
Agora entendo porque a Lia precisa tanto conversar com Antonella. Embora haja milhões e milhões de motivos para que elas sigam caminhos totalmente diferentes, embora a personalidade delas seja exatamente o oposto uma da outra, elas se apegam ao pouco que têm em comum: os gostos por séries, os sonhos, as decepções, e seguem por esse elo, que deve ser o mais forte de todos.
Exatamente o mesmo que estamos fazendo juntos,mas como casal.

Continua…
Fic revisada em 2023.

4 comentários em “Fã Fic – Per te Ci Sarò (Capítulo 84)

  1. Pelo amor de Deus, não consigo mais fazer NADA, absolutamente NADA, só quero ler e ler e cada vez fica melhor!!!! ME AJUDA!!!
    AMANDO ESSA FIC; até minha filha não consegue mais falar comigo e ter minha total atenção!!!!! PARABÉNS MARAVILHOSO!!!!

    Curtido por 1 pessoa

    1. Aiiii que gracinha, Andréia!!!! ❤
      Poxa, fico tão feliz com a sua empolgação, mas tô com dó da sua filha kkkkkkkkkkkkk
      Muito obrigada pelo incentivo, amore.
      Beijos

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  2. Gente que babado quero saber mais agora eu estou em parafuso com esse capítulo pq quero saber se a lia é ou não adotada…e quero saber também se ela vai aceitar o pedido de casamento do piero
    Estou louca pra ler oseu próximos capítulos…😙

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