Fa Fic – Escrevendo Caminhos (Capítulos 19, 20 e 21)

Não dormi porque realmente me faltou sono, mas não me faltou vontade.
Depois de pedir um quarto no hotel, entrar, dar de cara com uma cama perfeita e gritar com o rosto enterrado no travesseiro, decidi levantar, tomar banho e dormir. Eu só não consegui dormir. Na verdade, acredito que só não consegui dormir porque não sei exatamente com o que estou irritada, ou por que o vazio e silêncio crescem forte dentro de mim.
Por volta das duas da manhã, lá estava eu como em uma madrugada qualquer no meu apartamento, revirando meu email atrás de notícias. Eu me atrasei em duas entrevistas por email, mas consegui publicá-las ontem pela manhã e recebi emails da gravadora agradecendo a postagem. Recebi dois convites para entrevistas que ainda não aceitei por não ter escutado nada dos artistas oferecidos, nem ter pesquisado nada sobre eles, então decidi fazer aquilo até o sono chegar.
Por volta das 07h30 cheguei a conclusão de que sou uma andarilha nos trilhos da internet. Comecei pesquisando sobre duas bandas e um cantor que não conheço, revirando a vida deles disponível na internet até esbarrar no youtube, acabei pesquisando sobre séries, parei em músicas que conheço, passei pelo meu instagram e curti algumas publicações nas quais fui marcada e zanzei pelas minhas menções no twitter até encontrar algo que me chamasse a atenção -e demorou para isso acontecer, em parte porque eu não estava de fato interessada mesmo. Encontrei, finalmente, uma menção que me chamou a atenção por estar em português -nunca recebo nada em português. Quando reparei, já estava lendo uma espécie de história criada em torno dos rapazes do IL Volo em um site de fã clube brasileiro e aquilo me prendeu a atenção de um jeito que nem vi a hora passar.
Eu só levantei e decidi que preciso voltar a minha vida normal, se é que a minha vida é normal de algum jeito, porque meu português está muito enferrujado e não compreendo algumas palavras na história e meio que me cansa ter de pesquisar. Então levantei, tomei um banho para despertar e desci, fiz o check-out e ocupei um lugar na mesa do lado de fora da primeira padaria que encontrei aberta. Pedi um café e alguns pães e me deixei voltar àquele mundo escrito no site, mesmo não compreendendo algumas palavras, porque tudo se encaixa de algum jeito.
Como eu não sei o que fazer na verdade, e uma parte de mim quer voltar na casa dos Barone e transformar a vida da Camila em um inferno, ainda estou aqui, há umas cinco ou seis ruas da casa deles me enchendo de café e pão enquanto leio e decido se vou embora ou se volto a casa deles.
Pedi mais café, alguns pães, mais café e bolo até ouvir Boschetto gritando meu nome quando passava na calçada do lado de fora da padaria. Sorri e acenei pra ele que estava sozinho e correu para dentro da padaria rindo.

—Tá fazendo o quê? —Ele perguntou, ainda sorrindo ao se sentar na cadeira a minha frente.
—Lendo um pouquinho. E você? —Perguntei, meio curiosa.— Cadê a senhora Di Marzo?
—Ela está dormindo. —Respondeu, rindo.— Decidi andar um pouco e comprar alguma coisa para levar pra casa do Piero. Todos vamos almoçar lá e ela brigou comigo dizendo que temos que levar algum doce. —Ele explicou, todo sorridente.— O que você está fazendo aqui? —Insistiu.
—Não aguento todo aquele amor da Bertizzolo com o Ferro. —Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou.— É sério. E o Barone com ela também… Meu Deus! Eles levam qualquer um ao coma por absorver uma quantidade enorme de açúcar.
—Eles são assim mesmo. —Respondeu, ainda rindo.
—Então todos devemos fazer uma visita ao hospital e ver como estão os nossos níveis de diabetes porque se estiver alterado vou mandar toda a conta dos remédios para a casa dos Barone.

Ele voltou a gargalhar e eu acabei rindo com ele.

—Você não existe. —Ele disse, finalmente.
—Vai por mim, muitas pessoas gostariam de poder confirmar isso. — Falei séria, mas ele apenas riu mais.— Posso perguntar algumas coisas? —É claro que vou tirar minhas dúvidas criadas enquanto eu lia a história de um personagem com o mesmo nome do Boschetto naquele site brasileiro.
—Uma entrevista? Com você? Só eu? —Ele perguntou, apontando para mim e mostrando um pequeno sorriso.— Não sei se estou pronto para isso, sabe. Dizem os boatos que você consegue descobrir o que quiser de qualquer um.
—Que boatos? —Perguntei, curiosa. Ele deu de ombros, rindo.
—Os boatos, ué.
—Quem te falou isso?
—Você sabe como funcionam os boatos. Eles apenas se espalham e se espalham, ninguém nunca lembra quem falou porque são boatos. —Ele sorriu. Sorri de volta.
—Certo. Então… se um amigo, por exemplo, sei lá, o Barone, por algum motivo idiota acabasse traindo a namorada, o que você faria? —Perguntei, rindo.
—Que tipo de entrevista é essa? —Ele perguntou, gargalhando.
—Não é entrevista! —Falei, rindo, batendo no braço dele que estava sobre a mesa. Ele recuou ainda rindo.
—Tudo bem. Então, pergunte. Satisfaça a jornalista que existe em você. —Ele riu.
—Qual o seu filme favorito? —Vamos começar pelas perguntas óbvias para ele, só para confirmar o quão certa pode estar essa pessoa que escreveu baseada nele.
—Titanic, claro. —Respondeu de imediato.
—Claro. —Confirmei, rindo.
—Você parece a Rose, sabia?
—A cor do meu cabelo parece com o dela. Só isso. —Respondi, rindo.
—Você também é meio sem cor, meio pálida como ela. —Olhei feio pra ele quando ele riu.
—Não estamos falando de mim. —Falei, rindo.— Você gosta de andar à cavalo porque lembro que você disse isso na casa do Carlo, mas… o que você faria para passar o tempo? Se divertir com alguém e passar o tempo.
—Kart. Eu amo kart. Você já andou de kart? —Ele respondeu. Eu ri porque isso também está escrito na história que eu li.
—Não, nunca andei, mas vamos tornar as coisas um pouquinho mais complicadas, tá bom?
—Vai em frente. —Ele disse, rindo.
—Suponhamos que você se apaixone por uma mulher que não é daqui e ela não sabe que você é cantor nem nada, como você contaria? —Ele parou e encarou o céu por alguns segundos, pensando.
—Como eu conheci ela? —Perguntou, por fim.
—Barone apresentou vocês.
—Entendi. Ela vai embora quando? Quanto tempo eu tenho?
—Ela vai em poucas semanas.
—É longe? Nesse país?
—Em outro continente.
—UAU! Ela me ama?
—Não posso dizer isso antes de você responder.
—Então eu não tenho muito tempo para fazer ela decidir ficar aqui ao invés de ir embora e estou escondendo dela o meu trabalho. —Ele passou a mão no rosto, pensando.— Eu a levaria para conhecer minha casa, minha mãe, minha família para que ela entendesse tudo o que posso oferecer, toda a minha família maluca que consegue amar tanto qualquer pessoa que faz com que tudo seja surreal. Talvez eu ficasse com medo de contar, com medo dela me odiar e decidir ir embora antes do tempo… Acho que seria mais provavél que ela descobrisse sozinha.

Caramba! Fiquei bem impressionada agora.

—Então vocês se casam. Ela é um amor de pessoa. Sério, muito amor mesmo. Ela compreende o seu emprego, trabalha com vocês o tempo inteiro e te ajuda com os seus atrasos. Ela praticamente abre o caminho e te mostra por onde andar. Mas aí ela fica grávida e é uma gravidez de risco que faz com que ela tenha de ficar em casa enquanto você é obrigado a seguir a tour internacional com o IL Volo. É a primeira vez que você viaja sem ela desde que se conheceram. Leve em conta que todos a amam incondicionalmente, inclusive Barone e Ginoble.
—Eu traí ela, né? —Ele me interrompeu. Apenas ri confirmando.— Caramba! —Ela falou, impressionado.— Acho que não mereço esse amor todo, então.
—Não chegamos nessa parte ainda. —Ele riu.— Você está bêbado, dormindo com outra mulher no quarto do hotel e atrasado para uma entrevista. Quem te encontra? —Ele fez aquela cara de pensamento novamente. Quase consigo escutar as engrenagens do cérebro dele funcionando.
—Provavelmente a Bárbara. Ela sempre é mãezona quando viaja conosco. Não, espera. A mulher que eu traí assumiu o papel da Bárbara pra mim, então não seria a Bárbara. Você disse que todos amam ela incondicionalmente, então seria o Gianluca. Ele é meio sensitivo e tem mania de entregar o coração por completo quando gosta de alguém. E ele provavelmente me espancaria quando me visse deitado com outra mulher.

Ele me olhou e ficou esperando eu fazer mais alguma pergunta, mas não precisei. Tudo bate direitinho com a história que li. Exatamente tudo e estou impressionada demais para formular qualquer outra pergunta que seja.
Ele riu.

—Acabou?
—Não preciso perguntar mais nada. —Falei, rindo.
—Essa entrevista foi estranha.
—Isso não foi uma entrevista. Foi um teste.
—Teste? Teste pra quê?
—Para ver o quanto eu li sobre você nessa noite. —Respondi, rindo.— E o quanto uma fã consegue descobrir através de entrevistas.
—Leu sobre mim? Como é? —Ele perguntou, confuso.
—Li uma fã fic em um site brasileiro e queria testar o quão certo foi escrito as suas atitudes em cada situação. É bem escrita, você deveria ler. Dá para traduzir no site.
—Me envia esse link agora, Elara. —Ele disse, brincando.— E vamos comprar um doce e ir pra casa do Piero.
—Ah, não quero voltar pra casa dos Barone. —Respondi, rindo, quando ele levantou.
—Você quer sim. Lá tem vinho. E vou comprar mais vinho pra você. —Ele riu, eu gargalhei.
—Vocês pensam mesmo que eu sou uma alcoólatra incontrolável, não é? —Perguntei rindo quando ele colocou o braço ao redor do meu, me fazendo levantar.
—Não. Só acho que… é vinho que corre nas suas veias ao invés de sangue.

Eu gargalhei e ele ria enquanto pagava a minha conta e escolhíamos alguns doces.

—Vamos levar esse aqui. O que você acha, Elara? —Ele perguntou apontando para dois bolos de chocolate atrás da vitrine que pareciam simplesmente maravilhosos.— O recheio é de quê?
—São de chocolate com recheio de nutella. —Explicou o atendente.
—Vamos querer os dois. —Disse o Boschetto.
—Não podemos levar esses. —Protestei.
—Por que não? Estão com uma cara maravilhosa.
—Não podemos. Escolhe outros. O Ginoble não pode comer nutella.
—Gianluca? Claro que pode. Ele come direto.
—Não. Não pode. E você sabe disso. Escolhe outros.
—Você é meio chata, sabia?
—Só escolhe outro, Boschetto. —Falei, rindo. Ele riu também e acabou escolhendo dois de morango.

***

O clima estava diferente quando cheguei acompanhada de Boschetto na casa dos Barone. A Di Marzo já estava lá, inclusive os irmãos do Barone devidamente acompanhados de seus familiares. Camila ainda estava sentada ao lado de Ginoble, enquanto ele ria contando alguma coisa para o Ferro que levantou assim que me viu adentrar à cozinha trazendo os bolos com Boschetto e conversando sobre a história do site brasileiro que li. Tiziano veio quase correndo ao meu encontro e me abraçou tão forte que pensei que morreria sufocada. Boschetto nos olhou estranho.

—O que está acontecendo? A Liadan sabe desse relacionamento de vocês? —Ele provocou rindo e brincando.
—Foi ela quem nos apresentou. —Tiziano entrou na brincadeira, gargalhando e atraindo toda a atenção para nós na cozinha.— Onde você a encontrou?
—Na padaria perto do hotel. —Explicou o Boschetto, dando de ombros.— Amor? Você trouxe o carregador do meu celular? —Ele perguntou pra Di Marzo. Automaticamente me peguei rindo porque algo assim também é citado na história que li.
—Lazzarini! —Gritou Ginoble, rindo.— Vem se sentar conosco. Temos vinho. —Olhei feio pra ele, brincando.
—Nós trouxemos vinho, Gian. — Explicou Boschetto, rindo. Olhei feio pra ele também.
—Vocês são ridículos. Todos vocês. —Eles gargalharam e Tiziano me puxou pelo braço.
—Preciso conversar com ela. —Ele explicou, rindo e me arrastando pelas escadas.— Quando o Piero chegar, pede pra ele se juntar a nós no quarto.
—Essa frase ficou estranha. —Falei, ele gargalhou.
—Muita coisa é estranha. —Ouvi a gargalhada de Francesco, Ginoble e Mariagrazia.

Segui sendo arrastada pelo Tiziano até o quarto que ele está usando aqui que, por sinal, deve ser dito que está perfeitamente organizado. A mala e as mochilas que ele trouxe estão perfeitas ao lado de uma poltrona e se não fosse pela toalha pendurada em um cabideiro suspenso ao lado da estante eu jamais diria que alguém está utilizando esse quarto. O quarto que eu estou utilizando, por exemplo estão com meus sapatos espalhados em uma fileira e algumas roupas sobre uma poltrona. Com certeza uma zona se comparado com a organização do Tiziano.
Ele pediu que eu sentasse na cama, mas preferi sentar em uma das poltronas porque a cama está tão bem arrumada que me deu dó.
Ele optou por sentar na cama mesmo, de frente para mim. Pegou uma das mochilas que estavam no chão e procurou alguma coisa lá dentro.

—Eu estava preocupado com você, El. —Ele disse, ainda revirando a mochila e tirando alguns estojos de dentro dela.— Fiquei com medo por você.
—Não precisa se preocupar comigo, Tiziano. —Falei, séria, mas ele ainda procurava alguma coisa dentro da mochila.
—Eu sei. Por que você acha que eu deixei você ir embora por aquela rua escura sozinha? É óbvio que eu sei que não adianta prender você ou mandar você fazer alguma coisa. Você é cabeça dura demais. —Agora ele olhou para mim e sorriu.— Mas não vou fingir que não me preocupo, okay? Eu adotei a Liadan, consequentemente adotei o Piero e, ao que parece, meu coração é grande demais e estou adotando você também.
—Não quero que você faça isso, Tiziano. Eu sei me virar sozinha. Sou boa nisso.
—Você acha que eu escolho quem adoto, é? Você acha que é assim? Simples desse jeito? Quando eu percebi, já havia adotado a Liadan. E quando dei por mim, Piero já havia feito com que eu adotasse ele também. E ontem —ele fez uma pausa e respirou fundo— eu deixei você ir embora porque você precisava ir, mas meu coração ficou apertado a noite inteira e nem consegui dormir pensando em mil coisas que poderiam ter acontecido com você andando sozinha por aí, Elara.
—Tiziano, me desculpa, com todo o respeito, mas eu não preciso de um pai.
—Elara Michelli, —fiz careta quando ele usou meu sobrenome— é Michelli sim e não interessa, —fiz careta novamente— eu não vou mudar o seu sobrenome. Não vou dar entrada em papelada nenhuma para alterar nenhum documento seu. Eu só vou fazer isso.

Ele pegou uma necessaire preta opaca e tirou de dentro dela um pequeno pote de creme e me entregou.

—Você vai passar isso nessa sua mancha roxa e esfregar. Vai ajudar com a dor e a cor intensa. Para a sua boca, eu comprei hoje de manhã uma pomada que ajuda na cicatrização mas acho que deixei lá embaixo. Eu vou procurar e entrego pra você.

Aceitei o pote que ele me entregou e moldei o sorriso mais doce que eu tenho. Antes que eu conseguisse dizer o que queria, Barone adentrou o quarto já correndo na minha direção.

—O que aconteceu com você, Elara? O que foi isso na sua boca? E isso na sua perna?
—Um descuido meu quando pedi para ela… —Começou Tiziano.
—Foi necessário, Barone. —Interrompi dando de ombros.— Fomos atrás da Camila e a trouxemos. É isso que importa. O que aconteceu, aconteceu. Eu aceitei tudo e você não tem que sentir que me deve nada também, Tiziano. Tudo aconteceu porque eu quis assim, eu escolhi assim e pronto. A culpa não é sua, nem de ninguém além de mim. E são só alguns machucadinhos. —Falei, com desdém, apontando para algum lugar no meu rosto.— Sou forte o bastante para lidar com isso sem precisar de sessão de terapia, tudo bem?

Me levantei e tentei cobrir um pouco da mancha roxa na minha perna que não havia me incomodado em momento nenhum até agora enquanto Barone olha para ela como se fosse um portal para Asgard e o próprio Loki fosse sair por ela a qualquer minuto.

—Elara, por favor. —Falou Tiziano. Olhei para ele e esperei ele continuar já que ele estava quase suplicando mesmo.— Eu não devia ter pedido para você fazer aquilo e só percebi isso quando saí e encontrei você daquele jeito com ele.
—Com ele quem? —Interrompeu Barone quase gritando. Ele colocou as mãos nos meus ombros me fazendo olhar pra ele enquanto ele me empurrava até a parede. Se não o conhecesse, diria que ele me socaria até extrair a informação da minha boca.— Que merda a Camila fez ontem, Elara? O que vocês tiveram que fazer? Gianluca é meu amigo também e eu preciso saber o que está acontecendo.
—A sua preocupação deve estar voltada para a pessoa que está com ele naquela sala lá embaixo, Barone. —Falei calmamente.
—Eu estou preocupado com você, Elara! Você é minha amiga também.

Tirei as mãos dele do meu ombro e fiz com que ele se sentasse ao lado do Tiziano. Os dois com a mesma cara de preocupação e aquele olhar.
O mesmo olhar dos meus irmãos.
Eu fugi disso e não quero isso na minha vida novamente, mas decidi ser o mais amável possível com eles, diferente de como fui antes com a minha família.

—Certo. Preciso que vocês dois prestem atenção no que eu vou dizer, tá bom? —Falei, rindo, acariciando a bochecha de cada um deles.— Eu já passei por coisas piores, por coisas muito piores dentro da minha própria casa e foi por isso que eu fugi. Meus irmãos tentaram me proteger do jeito deles e não conseguiram. Eles não conseguiram. Então eu aprendi a me defender sozinha, a crescer sozinha sem precisar de ninguém se preocupando com meu bem estar e aprendi a defender as pessoas que eu amo. Aquilo que fiz ontem não foi porque você pediu, Tiziano. Eu fiz porque eu quis, para defender a felicidade do Ginoble. E teria feiro coisa pior se você não tivesse me acompanhado. E não quero que você me adote. Eu não quero ser sua filha e você não quer ser meu pai. Já você, Barone, para. Eu me resolvi com a Camila e o que eu fiz já foi, é passado. Nada disso interessa. O que interessa é o aqui e o agora. Nenhum de vocês me deve nada e preciso que vocês entendam isso claramente. Eu não fiz o que fiz pra que vocês me agradecessem, tá certo? Agora eu quero que ambos lidem com isso e voltem suas preocupações para quem realmente merece isso, okay?

Fiz carinho nas bochechas fofinhas dele e sorri quando Tiziano sorriu. Dei dois tapas levinhos nas bochechas fofas da carinha irritada do Barone e saí deixando os dois sozinhos agradecendo por eles não terem me seguido ou protestado ou falado qualquer coisa.
Eu não estou sendo ingrata muito menos insensível. É claro que eu sei que a atitude deles é linda, é protetora e é admirável -no mínimo. Todavia, também compreendo que ambos pensam que me devem algo simplesmente por eu ter feito o que fiz com aquelas informações sobre a Bertizzolo ou até mesmo por ter emprestado a casa para eles, mas sinceramente eles não me devem nada.
E, acima de tudo, fiz isso por eles também.
As únicas pessoas que tentaram me proteger de algum jeito, que se preocuparam comigo, estão magoadas e quebradas e iludidas com uma Elara que não existe. E me decepcionei com todas essas pessoas.
E então me tornei o que sou: esse ser humano que quer proteger todo mundo sem falhar, como o mundo falhou comigo. E protejo a mim mesma porque ninguém sabe fazer isso melhor do que eu. E não quero que ninguém se preocupe comigo, ninguém além de mim mesma.
É cruel e ruim e egoísta e o que mais você estiver pensando, e talvez seja mesmo, mas no momento atual da minha vida eu enxergo isso como a minha forma de demonstrar que amo alguém e me importo em proteger essa pessoa de uma forma tão pura que não preciso que essa pessoa aja da mesma forma por mim.
Talvez eu mude com o passar dos anos.
Talvez.

***

Almocei entre a Bertizzolo e o Tiziano embora fosse sempre o Boschetto, o Barone e o Ginoble que revezavam o enchimento de vinho na minha taça. Fingi que não percebi as inclinações de cabeça do Tiziano para o Barone quando minha taça ficava vazia por tempo demais por sobre a mesa e ele, sutilmente, enchia ela rindo de qualquer assunto uns 10 segundos depois.
Quando não conhecemos uma pessoa pessoalmente, idealizamos tudo sobre ela baseado no que nós mesmos queremos que essa pessoa seja, e ter uma imaginação boa pode ser tanto a salvação quanto a guerra.
Maxim, por exemplo, que é o assunto que está rodando na conversa de todos à minha volta nesse momento, tenho raiva só de ouvir o nome dele. Não vou com a cara dele e pronto. Nosso santo nem bateu, eles se espancaram literalmente. Então não importa o que ele faça, ou o que tente fazer, já o detesto independente de qualquer coisa embora ele realmente tenha sido o cara mais desprezível que já conheci. E o fato da Bertizzolo se retrair tanto quanto eu enquanto a conversa sobre ele fluí, faz com que eu me sinta mais apegada à ela.
Seres humanos são uma bosta. Na verdade, eu sou uma bosta. Me apegar a alguém só porque esse alguém compartilha o mesmo desgosto que eu por uma terceira pessoa é o sentimento mais medíocre que se pode imaginar.
Estou começando a sentir raiva de mim.

—Certeza. Não é, Elara? —Falou Mariagrazia me trazendo de volta a realidade de todas aquelas pessoas sentadas à mesa.
—Hein? —Perguntei, porque não prestei atenção no assunto. Fala sério, era sobre o Maxim. Todos gargalharam a minha volta.
—Ela é assim mesmo. —Comentou Barone, ainda rindo.
—Todo mundo conversando e ela em outro universo. —Completou Boschetto. Todos riram novamente. Bebi o resto de vinho e coloquei a taça vazia sobre a mesa.
—Estava pensando no que, Elara? —Perguntou Francesco, irmão do Barone, com um sorriso fofo no rosto.
—Em nada específico. —Dei de ombros.
—Como é que ela bebe tanto e ainda consegue se manter sã? — Perguntou Antonella, para ninguém específico. Ela apareceu hoje com o namorado, Sami, porque estavam curtindo as férias nos EUA.
—Deixa ela beber em paz, Anty! —Protestou a Bertizzolo, ao meu lado.
—Em qual galáxia você estava, El? —Perguntou Tiziano acariciando meu braço. Ele sorriu. Dei de ombros.
—Um tanto distante. —Respondi.
—Você nunca fica bêbada? —Perguntou Antonella, curiosa.— Vocês convivem mais com ela do que eu, alguém já viu ela bêbada?
—Não. —Respondeu Boschetto, rindo.
—Nunca. —Disse Barone. sorrindo.
—E ela bebe pra caramba. —Comentou Antonela, ainda rindo.
—Quando você começou a beber, Elara? —Perguntou Mariagrazia, colocando os cotovelos por sobre a mesa e apoiando o rosto nas mãos para enfatizar que eu tinha toda a atenção dela naquele momento.
—Eu acho que ela não quer falar sobre isso agora. —Disse Barone, olhando preocupado para mim. Quando foi que ele começou a entender os meus movimentos? —Acho melhor falarmos sobre isso depois.
—Conta pra gente, Elara. Você nunca fala nada sobre você. —Insistiu a Maria, de um jeito doce.
—É. Aproveita e ensina a usar essa magia que você usou nos Michelli para deixarem esses chatos utilizarem a casa deles. —Falou Antonella, rindo. Certo, todos realmente guardaram segredo. Pelo menos isso.
—Não precisamos falar sobre isso. —Interveio Ginoble.
—Conta, Elara. Por favor. —Insistiu Mariagrazia.— Eu não sei nada sobre você. Como vamos ser amigas desse jeito?
—Você consegue ser amiga de todo mundo, Mariagrazia. —Disse Francesco, rindo.— Independente do que ela disser. —Todos riram.
—É, mas eu queria saber um pouquinho mais sobre ela. Nem sei o que dar pra ela de presente.
—Uma garrafa de vinho, com certeza. —Disse Alessandra escondendo um sorriso atrás do copo de vinho dela. Dessa vez, até eu ri.
—Como você começou a beber, Elara? Conta, por favor. —Insistiu Mariagrazia.

Ao meu lado, a Bertizzolo pegou o copo de suco dela pela primeira vez em muito tempo e sussurrou para mim enquanto Barone tentava explicar para Mariagrazia que aquilo era desnecessário de um jeito engraçado fazendo com que o ambiente fosse preenchido com gargalhadas:

—É melhor você contar. Ela não vai parar, pode ter certeza.

Ela me deu um sorriso doce e sincero quando olhei pra ela.

—Como foi, Elara. Diz, por favor. Só isso. —Insistiu Mariagrazia.
—Comecei em uma viagem. —Falei, sorrindo. Ela me olhou mais intensamente e sorriu também.
—Quero detalhes, por favor. —Ela disse.— Onde foi? Como foi?
—Brasil. —Observei Barone sorrindo, balançando a cabeça de forma negativa, e continuei.— Fui pra lá apenas duas vezes. 20 dias ao todo. E aquele povo é totalmente diferente do nosso. Totalmente diferente mesmo.
—Diferente como? —Perguntou Francesco.
—Você sabe. Eles já nascem bebendo aquela cerveja horrível deles e quando chegam aos 12 anos já estão totalmente embriagados. E ensinam qualquer ser humano a beber. Particularmente falando, a cerveja deles é horrível mesmo.

Todos gargalharam.

—E quando você foi pro Brasil? —Perguntou Tiziano, rindo.
—Época da faculdade. Fiz 20 dias de intercâmbio por lá.
—Isso faz pouco tempo, né? —Perguntou Francesco.
—Uns 5, 6 anos.
—Glória a Deus que você só foi pra lá na época da faculdade. Se em 6 anos você entorna 4 garrafas de vinho sozinha, não quero imaginar o que faria se fosse criada lá. —Disse Antonella. Até eu gargalhei.

É, minha imaginação realmente é muito boa.

—Como é o seu curriculum, Elara? —Perguntou Antonella.
—Tá querendo me contratar? —Dei de ombros, rindo. Todos riram também.
—Estamos querendo saber mais sobre você. —Disse Sami, pela primeira vez.
—Acho que é melhor deixarmos ela em paz. —Falou Ginoble, rindo.
—Só quero saber quais cursos ela fez. Não tô pedindo pra ela contar sobre quando a mãe dela brigava com ela. —Brincou Antonella.
—Esse assunto acabou. —Disse Barone, se levantando e recolhendo os pratos.
—Qual o problema em falar sobre ela? —Insistiu Antonella.
—Nenhum. —Disse a Bertizzolo, se levantando para ajudar o marido. Me senti obrigada a fazer o mesmo e decidi lavar a louça.— Piero vai sair com vocês à noite e você deve ir, Anty. Você também, Tizi.
—Você é boa em mudar de assunto, Lia. —Disse Antonella. Cansei.
—Sou formada em jornalismo. —Falei, dando de ombros, de costas pra ela.— Entendo um pouco de gestão empresarial, logistica, designer gráfico e web designer, desenhos realistas, produção mecânica, desenvolvimento de projetos, modelismo de joias e babaquices do tipo além de todas as chatices linguísticas e bobagens de computação e internet. É tudo o que consigo catalogar no momento.

O barulho da água caindo sobre o sabão na minha mão é um tanto inquietante nesse momento.

—Uau. —Disse Mariagrazia, por fim.
—E como você teve tempo para fazer tudo isso? —Perguntou Antonella.
—É bem simples, na verdade. Extraia toda a parte divertida da vida de uma criança no momento em que ela nascer e ocupe todo o tempo dela com tudo o que você deseja que ela seja. Imagine a criança como um pedaço de massa de modelar e a molde com tudo o que você precisa que ela seja. Você vai descobrir que, se fizer isso, ela tem tempo e capacidade até de fazer faculdade aos 7 anos de idade. —Falei rindo e, dessa vez, eu ri sozinha.
—Ninguém faz isso. Isso é horrível. —Falou Antonella, finalmente.— Todas as crianças devem ser apenas crianças. Brincar e se machucar, é isso o que interessa.

Terminei de lavar a louça e secar as mãos. Fui até a sala para atender o meu celular antes que Antonella pudesse fazer mais alguma pergunta e ignorei o jeito como a Mariagrazia bateu no braço dela após o comentário.
Eu não me importo com o que ela fala. Não me importo com o que ninguém fala. E daí se fui criada desde sempre para lidar com a empresa do meu pai e fazer o que nenhum dos meus irmãos foram criados para fazer? A infância foi minha e pronto, acabou. Tudo acabou.

—Pronto. —Falei, em pé perto da porta, atendendo a ligação de um número que não tenho na agenda.
—Ciao. Tutto bene, bella? —Falou o rapaz do outro lado da linha. Uma voz firme e meio rouca.
—Tudo. Quem está falando? —Perguntei, curiosa.
—Patch. Quem está falando?
—Elara. Seu sobrenome é Cipriano, por acaso? Se não for, e você não tiver perdido as asas ao cair, vou desligar porque não te conheço.
—Você lê? —Ele perguntou, meio chocado, depois de rir.
—Eu faço as perguntas aqui. Você lê? —Tentei parecer tão chocada quanto ele.
—Claro que leio. —Respondeu.
—Interessante. Vou entrar no avião agora, me liga daqui umas 5 horas.

Desliguei e bloqueei o número no meu celular.

—Parece que alguém está em um avião nesse momento. —Comentou Barone fazendo todos rirem, vindo se sentar na sala como os outros.
—Estou aqui com vocês. Isso não pode ser taxado como mentira. —Fiz todos rirem.
—Não tem mais vinho para você hoje. —Ele brincou, me castigando. Fiz careta.
—Quem era? —Perguntou Tiziano se sentando no chão ao meu lado.
—Não faço a mínima ideia. Um louco que acha que se chama Patch. —Dei de ombros.
—Cipriano? —Brincou a Bertizzolo. Já passamos por isso uma vez.
—Passa o número dele pra gente, Elara. —Falou Mariagrazia, rindo.
—Do que vocês estão falando? —Perguntou Ginoble, curioso.
—Não ler nada dá nisso. —Falou a Bertizzolo. Rimos novamente.
—Que foi, Camila? Tá meio muda hoje. Alguém comeu sua língua? —Perguntei quando a peguei olhando pra mim e desviando o olhar no mesmo momento.

Ela tem evitado falar qualquer coisa desde que cheguei, mas não sei se ela estava animada antes da minha presença. Não me lembro dela ter aberto a boca para dizer nada em voz alta durante o almoço inteiro. E está grudada no Ginoble.
Ela olhou para mim por educação e devolvi o melhor sorriso que eu tinha enquanto Ginoble colocava o braço ao redor do pescoço dela e a beijava no rosto.
Não vou vomitar.

—Estou cansada de ontem. —Ela disse, dando de ombros.
—Foi pra onde ontem? —Perguntou a Mariagrazia. Sempre curiosa.
—É, Cami. —Falei, sorrindo.— Foi pra onde ontem?
—No shopping. Vocês foram buscar ela. —Disse Ginoble, a abraçando. Eu vou vomitar.
—Você passou um dia inteiro sozinha no shopping? Caramba. Como você conseguiu? —Perguntou Mariagrazia, indignada.
—O que é isso roxo na sua perna? —Ela perguntou, mudando de assunto e tentando me constranger. Ignorei o olhar imediato do Barone e a tensão que emana do Tiziano ao meu lado e me deitei no chão, com a cabeça por sobre a perna dele, deixando ele mexer no meu cabelo. Cruzei as pernas no alto, de forma que a marca ficasse mais exposta, para o Francesco poder passar e se sentar no chão perto de nós com a Mariagrazia.
—Isso? —Coloquei a minha mão sobre a mancha, refazendo os movimentos daquele doido. A marca dos dedos bem visíveis. Sorri.— Vantagens de ser solteira. Você sabe. Você pegou a gente quando chegou com o Tiziano. Não entendi a pergunta.

Então vamos brincar. Gosto dessa brincadeira.

—Você faz isso sempre? —Ela perguntou depois de alguns segundos. Não respondi porque não entendi e aguardei ela continuar.— Isso de ficar com qualquer um que você ver pela frente.
—Camila! Que isso? —Interrompeu Ginoble.
—Às vezes, sim. —Respondi e Tiziano riu.— Mas não durmo com ninguém que tenha a cabeça oca, sabe? Não pense, não tenha estreado o cérebro, coisas assim.
—Já tentou ficar com alguém que está nessa sala? —Ela perguntou e o queixo da Mariagrazia e da Alessandra quase pararam no chão.
—Não. Não. —Respondi, calmamente.— Não fico com ninguém comprometido. Sou uma pessoa de regras e de promessas. Você sabe. Eu valorizo a lealdade. —O silêncio só foi quebrado pela gargalhada do Tiziano.
—Quando você conheceu os rapazes, o Gianluca não estava namorando comigo.
—Bem observado. Mas você não escutou a parte de que eu não fico com homens de cabeça oca? —Todos gargalharam, inclusive o próprio Ginoble.
—Elara! —Ele disse, ainda rindo.
—Que é? Tô sendo sincera.
—Então você tentou ficar com ela, Gianluca? —Perguntou a Camila, batendo no braço dele.
—Claro que não. —Fui eu quem respondeu. Mentindo por ele, claro.— Não faço o estilo dele nem de longe, sou insuportável, não aguento nem ouvir falar de Abruzzo e, pelo pouco que vi com você, ele é péssimo de cantadas. Eu falei que não aguento Abruzzo? Porque eu não aguento.

Todos gargalharam e os assuntos foram mudando e mudando.
Adormeci enquanto a Alessandra falava sobre qualquer coisa referente a família dela e acordei assustada com a gargalhada do Barone e da Mariagrazia.

—Finalmente, Bela Adormecida. —Disse Francesco, já me zuando.
—Não fica bêbada, mas desmaia. —Completou Antonella, rindo.
—Dormi muito tempo? —Não posso ter dormido muito. Só pisquei os olhos.
—Não. Só a tarde inteira. —Explicou Barone.
—A tarde toda? Toda mesmo? Que horas são?
—20h17.
—Meu Deus. —Levantei assustada, meio abobalhada até.
—Você dormiu na noite passada, Elara? —Perguntou a Bertizzolo.
—Não. —Falei, aceitando a ajuda de Francesco para levantar e rindo do pobre do Tiziano que passou a tarde inteira servindo de travesseiro.— Fiquei lendo sobre a vida dele. —Apontei pro Boschetto, ele riu.
—Agora que ela acordou, podemos sair pra jantar. —Disse Antonella, se levantando.
—Vocês vão pra onde, amor? —Perguntou a Bertizzolo.
—Eu quero comer sushi. —Disse a Mariagrazia, e todos acabaram concordando.
—Acho que vamos ter de comer sushi, bella. —Disse Barone, a abraçando.
—Você vai com eles e eu vou com a Elara. Quero conversar com ela e ela também odeia sushi.

Não foi fácil a Bertizzolo convencer todos de que ela não iria jantar com eles, mas nem precisou de esforço para convencer o Barone. Tiziano queria ficar conosco, mas ela não aceitou e estou meio boba demais para falar alguma coisa então apenas aceitei a ideia quando ela riu e mandou eu tomar banho para acordar.
A água gelada me despertou e vesti apenas uma calça jeans preta, uma sapatilha nude e uma camiseta em tom de vinho. Fiz um coque de qualquer jeito, cheio de mechas de cachinhos soltos para todo o lado e tive de pegar o óculos. Tenho andado muito sem ele ultimamente e estou ficando com medo da minha vista piorar.
Eu simplesmente acompanhei ela, muda, para dentro do carro dela e deixei ela dirigir em paz até um pequeno restaurante que estava vazio quando chegamos e ocupamos a mesa mais afastada da entrada e das pessoas cantando próximo ao aprelho de som.
Ela sorriu pra mim e disse que ia pegar batata para nós. Apenas fiquei olhando. O banho me acordou, mas ainda me sinto meio idiota, como se tivesse dormido por uma semana inteira e o mundo não fizesse mais sentido. Isso sempre acontece quando passo muito tempo sem dormir e, quando durmo, não durmo o tempo necessário.
Detesto essa sensação.

—E então?. —Ela disse sentando na cadeira de frente pra mim com duas porções enormes de batata frita.— Vai me contar o que está acontecendo?
—Como é? —Perguntei, começando a comer. Ela sorriu.
—Eu já estive onde você está agora. —Falou, sorrindo.
—Ah, não esteve mesmo.
—Deixa eu tentar —ela disse, comendo.— Você acha que é sua obrigação proteger todo mundo, que todos precisam da sua proteção de algum jeito e, consequentemente é isso que você acaba fazendo. Você quer afastar todo mundo, de algum jeito, porque ninguém merece se aproximar de você e de todos os seus problemas. E não quer ter amigos. No meu caso, eu tinha a Anty. Você, por outro lado, acha que não tem ninguém. É tudo vazio e sem sentido aí dentro de você, não é? Acertei?
—Ponto pra você. —Falei, sorrindo. Ela sorriu também.
—Você pode falar comigo.
—Eu estou bem assim. —Comentei.
—É claro que está. Eu também pensava que estava tudo bem.
—E não estava? —Perguntei, mais para manter a conversa do que por qualquer outra coisa.
—Não. Não estava. E foi bem difícil para o Piero e para o Tiziano me ensinarem que eu poderia confiar neles, contar com eles e formar uma nova vida com eles. Demorou muito, e sofri muito também, mas cá estamos hoje, aprendendo com a vida.
—Pois é. —Respondi, sorrindo pra ela. Ela sorriu também.
—Então vamos falar sobre o Gianluca.
—Falar o quê sobre ele?
—Vocês acham mesmo que me enganam, não é? —Ela perguntou, rindo.— Você, Piero e Tiziano se juntaram e estão tramando alguma coisa. Eu só não sei o que é ainda.

Eu simplesmente contei a ela tudo o que presenciei, tudo o que sei, sobre a Camila. Contei sobre a ameaça que fiz, o meu drama na casa do Carlo, o meu drama de ontem. Simplesmente contei tudo porque ela estava sendo tão simpática o tempo inteiro que me faz tentar retribuir de algum jeito.

—Então isso roxo na sua perna e esse machucado na sua boca… Você precisa falar com o Gianluca, Elara.
—Falar o quê? Que ela está fazendo com ele o mesmo que ele fez com todo mundo? Não vou dizer, não. Você vê a cara de idiota dele. —Ela gargalhou. Acebei rindo também.
—Ele é assim mesmo. Quando implica que gosta, então ele gosta. E ele gosta de você. —Falou, rindo.
—Claro que gosta. Já tivemos essa conversa há alguns meses e se eu estiver prestes a morrer de fome ele irá me sustentar até eu me reerguer. —Ela voltou a gargalhar.
—Você? Prestes a morrer de fome? Impossível.
—Não tão impossível, minha cara. —Brinquei e ela riu novamente.
—O Gianluca gosta de você, Elara. Estou sendo sincera. Lembra de quando ele nos fez seguir você naquela viagem?
—Claro que eu lembro. E também me lembro de ter tido essa conversa com ele, o fazendo confirmar que só queria ficar comigo como fica com trezentas mil mulheres em turnê.
—Tipo o seu lance com o Maluma?
—Que lance? Foi só uma noite. Fim.
—Foi bom, né? —Ela perguntou, rindo.
—Claro que foi. E a melhor parte é a que ele nem é desse país. Nada de apego, nada de grude.
—Entendo. Ainda penso que você deveria falar com o Gianluca. De verdade.
—Acho melhor você falar. Ele já passou umas boas semanas sem falar comigo, mesmo sem eu saber o que havia feito, e não estou em um momento bom o suficiente para sair brigando com quem, possivelmente, pagará as minhas contas em um futuro não tão promissor. —Agora ela jogou a cabeça para trás e realmente gargalhou e aquele sentimento de estar errada, quando ela está por perto, voltou à tona.
—Gianluca ficou insuportável naqueles dias que não falou com você. Ele é ciumento demais.
—De todas as pessoas no mundo, não era de mim que ele deveria sentir ciúme.
—Ele está se descobrindo ainda. Você também. E você não está sozinha, Elara. Todos nós estamos com você. Somos seus amigos.
—Eu sei que são. E agradeço muito por isso, mas não quero que me tratem diferente só por saberem coisas sobre mim que não fico espalhando para todo mundo.
—Nós não te tratamos diferente. Não mais do que você precisa.
—É claro que tratam!
—Tiziano e Piero jamais deixariam qualquer outra mulher que estava naquela casa sair sozinha à noite, como deixaram você sair ontem. Todos se controlam muito perto de você, Elara, porque todos sabemos que você se resolve sozinha e está acostumada com isso. Nós só queremos ser seus amigos.

Por algum motivo, que desconheço, acabei sorrindo. Ela ficou me encarando. E continuamos conversando sobre a vida dela antes de conhecer o Barone, depois de conhecê-lo e tudo o que ela almeja além do que sente falta.

—Se você sente falta da sua irmã, porque não liga pra ela? —Perguntei, realmente interessada.
—É complicado. A Leah era doce e pura quando era criança. Você iria amá-la. Todos a amavam. E ela foi muito importante para mim, ainda é. Só que… eu não podia simplesmente tirar o direito dela de viver com os pais, entende? Não podia. E ela foi proibida de falar comigo, mas continuei pagando os cursos dela, as aulas dela e banquei a ida dela para os Estados Unidos quando meu pai me pediu. Ele me ligou uma vez em dois anos só para pedir esse dinheiro. Enfim, ela foi embora pra lá e não voltou. Ela mudou de número e não me passou, me bloqueou nas redes sociais e…. sumiu.
—Eu sinto muito, Liadan. De verdade.
—Tudo bem. Eu não me culpo mais. Fiz tudo o que podia por ela, tudo o que estava ao meu alcance mas não posso obrigá-la a voltar pra cá. Só espero que ela esteja bem. E sigo em frente, exatamente como você faz. —Ela sorriu. Sorri também.— Sua vez.
—Ah, não. Não quero falar sober mim. —Falei e ela riu.
—Por favor. Não precisa ser tudo. Me fala sobre você e o seu irmão, Enzo. Por que ele não gosta de você?
—Porque eu tirei tudo o que ele tinha. —Respondi, por fim. E não é bom o gosto dessa admissão em voz alta. Ela ficou me fitando.
—Conta. —Respirei fundo e cedi.
—A mulher do Carlo mantinha a ordem tanto na família quanto nas empresas dele. Ela sempre resolveu tudo. Matteo gosta de contar que ela era como um anjo, calma e serena e perfeita. Ela deu à luz as duplicatas, depois ao Enzo e, segundo Carlo, ele sempre quis uma filha mulher. A Marina não queria engravidar, mas ele insistiu tanto que ela cedeu. Todos esperavam que fosse uma menina, mas era o Luca. Todos o amaram como amaram os que vieram antes dele. Enzo diz que lembra dela, mas eu duvido muito. Enfim, alguns anos depois, eu inventei de adentrar o útero daquela mulher e, nas palavras de Enzo, suguei toda a vida dela. Ela morreu tentando me fazer vir ao mundo, e quase me levou embora com ela. Segundo ele, ele só tinha a mãe e vim para tirar a Marina da vida dele, então ele se tornou aquele ser maravilhoso que vocês conheceram na casa do Carlo.

Dei de ombros e terminei de beber o suco que ela havia pedido para nós.
Eu realmente prefiro o vinho, mas não vou protestar agora.
Ela me encara com tanta dó no olhar que tenho de me controlar para não levantar e ir embora.

—Isso não é culpa sua, Elara. Você não tem culpa de nada. Nada.
—Então tenta explicar para o Enzo como que a única culpada pela morte da mãe dele não foi a pessoa que crescia dentro dela .
—Ela é sua mãe também.
—Não. Eu não tive mãe. Eu perdi esse direito quando a matei.
—É por isso que você não chama o seu pai de pai?
—Não chamo o Carlo de pai porque não cresci perto o suficiente dele para isso. Cresci na mesma casa, mas trancada em quartos e escritórios estudando e estudando e estudando com todos os professores que ele contratava. Ele não é meu pai, não como é o pai dos meus irmãos. É apenas o Carlo.
—O que esse Enzo fez com você? —Ela peguntou de um jeito tão doce que respondi sem hesitar.
—Nada de mais. Só tentou vingar a morte da mãe dele de todas as formas possíveis. E o compreendo. Eu também tentaria me matar se estivesse na posição dele.
—Não fala uma coisa dessas, Elara! Você realmente esteve no Brasil?
—Estive. na época da faculdade, como eu disse. Aprendi a falar português com o meu professor de desenho, que tinha família lá. Então foi minha única escolha para aqueles 20 dias.
—Você foi lá para estudar?
—Sim. Só para isso.
—E como você aprendeu a beber? De verdade?

Merda.
Ela me pegou na mentira.
Acabei sorrindo e ela sorriu de volta.

—Inteligente da sua parte. —Falei, ainda sorrindo.
—Estou aprendendo com você.
—Carlo se orgulha do vinho dele e eu estraguei uma colheita inteira. Falta vinhos de um ano específico no ego dele. É tudo o que você precisa saber no momento.
—Eu praticamente te contei a minha vida, Elara. Eu quero mais detalhes.
—Você consegue ser chata às vezes, sabia? —Ela sorriu.
—Você também. Me conte. Logo.
—Era meu aniversário de seis anos e talvez eu tenha parado no fundo do tanque de fermentação de vinho tinto daquele ano.
—Como você parou lá?
—Fui idiota o suficiente a ponto de me aproximar demais do tanque na presença do Enzo. Eu sabia muito bem que o Carlo amava aquilo tudo e justamente por isso nenhum de nós chegava perto da vinícola. Mas Enzo disse que era apenas suco de uva, que não seria transformado em vinho, e que era um presente. Quando cheguei perto, ele me empurrou. Foi quando ele descobriu que eu não sabia nadar. Descobrimos aquilo juntos. No dia seguinte, ele me jogou no rio e decidi que teria de aprender a nadar o mais rápido possível se quisesse manter o ar entrando nos meus pulmões. A safra particular do Carlo daquele ano foi pro ralo.
—Só porque você caiu dentro dela?
—Só? Sério mesmo? Qualquer um pode fazer um vinho ruim com uvas boas, mas jamais será feito um vinho bom com uvas ruins. Eu estraguei toda aquela safra quando caí dentro do tanque. Nada pode cair dentro do tanque. Os vinhos são o orgulho de Carlo, e realmente são os melhores que existem. E eu estraguei aquilo tudo.
—E como foi que você passou a beber?
—Aprendi a nadar e implorei para que ele deixasse que eu aprendesse todo o processo de transformação da uva para o vinho. Nenhum dos meus antecessores se interessaram por isso em momento algum, então foi difícil fazer ele ceder. Eu tinha 9 anos quando pude acompanhar a colheita e 11 quando pude provar o resultado daquilo. Desde então, não parei. Cuidei das 3 últimas safras antes de fugir da casa dele. Não sei quem cuida daquilo tudo hoje. —Dei de ombros e sorri. Ela só me encarou.— Acho que estou cheia. Podemos ir embora? Eu pago a conta.

Ela apenas sorriu e aceitou. No exato momento em que ela levantou, pegando a bolsa, um rapaz alto de cabelos escuros se sentou na cadeira vazia ao meu lado.

—Oi. —Ele disse, sorrindo. Como se me conhecesse e nada naquilo fosse estranho. Olhei preocupada para a Bertizzolo, esperando que ela reconhecesse o homem. Ela apenas balançou a cabeça negativamente.
—Oi. —Respondi, me levantando.— Estamos de saída. Pode ficar com a mesa. —Sorri, tentando ser gentil.
—Eu queria mesmo conversar com você. —Ele disse, segurando de leve a minha mão. Eu não me lembro de tê-lo visto nem uma vez sequer.
—Você deve estar me confundindo com alguém. —Sorri e ele me soltou.
—Ela não é daqui. Está apenas nos visitando. —Disse a Bertizzolo, colocando o braço ao redor do meu.
—Eu também não sou daqui e estou apenas trabalhando. —Ele explicou, como se tudo fosse muito normal.
—É de Roma também? —Perguntei. Ele só pode me conhecer de lá.
—Por incrível que pareça, sou. —Respondeu, sorrindo. Tudo aquilo estava muito estranho.
—E o que o senhor quer? —Perguntou a Bertizzolo, cada vez mais preocupada.
—Saber porque ela não atende as minhas ligações. —Ele disse calmamente.
—Você é o tal de Patch que me ligou hoje? —Lembrei assim, do nada.
—O próprio. —Ele respondeu.
—E como me encontrou?
—Estou aqui desde que vocês chegaram. Eu nem acreditei quando vi você entrar.
—Como você conseguiu meu número? Eu não me lembro de você.
—Você esquece rápido desse jeito o rosto dos homens que você beija?
—Eu nunca beijei você.
—Você tem certeza?
—É claro que… —Minha mente simplesmente decidiu funcionar agora.— Merda! Você é o segurança da balada, não é?
—Que balada? O louco que deixou aquela mancha na sua perna? —Perguntou a Bertizzolo, quase gritando.
—É o que parece. —Respondi, olhando pro rosto dele pela primeira vez.
—Você fica muito mais bonita de óculos, Elara. —Ele disse, sorrindo.— Mas isso não vem ao caso. Queria me desculpar com você por… tudo aquilo. Eu estava meio alterado naquela noite.
—O seu nome é Patch mesmo? —Foi a única coisa que consegui perguntar. E a Bertizzolo encarava ele com aquela cara de mãe brava dela.
—Eu te conto se você aceitar sair comigo.
—Não. Obrigada. Minha boca ainda está bem inchada. —Falei nervosa. Ele não sorriu.
—Por isso mesmo. Quero me redimir.
—Café da manhã.
—Jantar.
—Almoço.
—Elara? —Protestou a Bertizzolo, indignada.
—Fechado. —Ele disse, sorrindo.
—Em um local público. —Falei.— Quero ter certeza de que poderei gritar e alguém irá me escutar.
—Elara? —Ela vai me bater a qualquer momento.
—No restaurante que tem aqui ao lado. Sempre está lotado. —Ele disse.
—Esteja aqui amanhã. E, não importa o que você for pedir, eu não como nenhuma comida oriental.
—Com certeza. —Ele se levantou, sorrindo. Beijou o meu rosto e o da Bertizzolo, mesmo com ela parada como uma estátua.— Foi maravilhoso revê-la, Elara. E um prazer conhecer a senhorita.— Disse para a Bertizzolo e foi se sentar na mesa no canto oposto ao nosso, sozinho.

Paguei a conta e me segurei para não rir quando a Bertizzolo finalmente decidiu falar, dentro do carro.

—Você é doida. Você é muito doida. —Ela disse, rindo.
—Você acha mesmo que ele ia deixar a gente sair de lá sem a o almoço marcado? Acha que ele ia parar de me ligar?
—É claro que não. —Ele ainda ria.— Só… você é muito doida.
—Se eu quiser conhecer a história de alguém, tenho de aceitar os termos da pessoa. Eu sou jornalista, saio com estranhos direto. —Falei, e ela gargalhou dessa vez.
—Houve um tempo em que eu pensava que a Anty era o ser humano mais maluco que existe.
—Eu não sou maluca. —Protestei.
—Me faz um favor? Não conta pro Gianluca que você vai sair com aquele homem. Não quero presenciar outro ataque de ciúme.
—Ele nem se importa. —Ela gargalhou novamente.
—Vai por mim, ele se importa. Só, não conta, está bem? —Ela fez uma pausa.— Por que você não voltou pra casa ontem?
—Sinceramente? Não sei se eu aguentaria olhar pra cara da Camila sem voar no pescoço dela.
—Pelo Gianluca, não é? Para ele não perceber que havia algo errado.
—Acho que foi mais por mim, mesmo.
—Se pensar desse jeito te consola.
—Agora eu sei o quão chata eu sou quando estou entrevistando alguém. —Falei. Ela gargalhou.

Concordei porque ela tem esse poder de conseguir influenciar as minhas atitudes e me fazer abrir a boca e contar as coisas que eu não quero dizer.
Aceitei o convite do rapaz porque fiquei curiosa.
E não aguento mais ficar naquela casa olhando para a cara de tonta tapada da Camila.
E aquela cara de idiota apaixonado e cego do Gianluca.
E a Antonella pronta para se tornar a jornalista especializada na minha vida.
Preciso sair de lá.
Vou voltar pra casa.

*

Chegamos no momento em que Ginoble estava abrindo a porta do carro do Francesco para a Camila entrar. Acenou para nós e entrou no carro também.

—Francesco está indo levá-los no hotel? —Ela perguntou quando o Barone se aproximou de nós.
—Está. —Ele respondeu, parando ao lado dela para observar o carro se afastar de nós.
—Eles são noivos agora? —Ela perguntou. Olhei chocada para ela, que não desviou o olhar para mim.
—São. —Respondeu Barone, me oferecendo uma mão. Aceitei por educação e me senti envergonhada por estar tão gelada e ele tão quente.
—Espero que ele saiba o que está fazendo. —Ela disse.
—Todos nós esperamos.

Ele apertou mais a minha mão e entramos.

Continua…
Fic revisada em 2023.

11 comentários em “Fa Fic – Escrevendo Caminhos (Capítulos 19, 20 e 21)

  1. Diz que ela vai ficar com Jean logo porfavor tô com uma peninha desses dois eles têm que ficar juntos logo se se amarem logo porque é isso que ela precisa para mudar e se entregar de verdade para um amor de verdade tô com pena do Jean A Camila é muito vadia escreve logo por favor

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      1. Oiiiii Clara! Tudo joinha, amore??
        Mds, tô rindo do teu corretor kkkkkkkkkkkkkkk
        Eu tô tentando deixar eles juntinhos logo, sabe? Mas não consigo D: kkkkkkk A El não deixa, e o Ginoble não deixa… e tem o Patch agora D: D: D: kkkkkkkkkkk
        Mas calma porque tudo vai dar certo õ/ e mais uns 20 capítulos (O QUÊ? D: KKKKKKK) e a gente acaba com eles tudo bonitinhos :’) ❤

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  2. Nossa que delícia de leitura. Você consegue nos transportar para a Itália definitivamente, Ansiosa pelo momento em que o Gianluca e a Elara vão se declarar. Beijos. Obrigada você é uma escritora muito criativa.🤗😘🇮🇹🇧🇷

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    1. Oiiiii Josiane, tudo bem, amore??
      Poxa, fico tão feliz por você estar gostando :”) ❤
      Estou desenvolvendo essa partezinha desses dois ainda, mas logo logo eles se resolvem \õ/
      Sou eu quer agradeço, amore!! Muito obrigada mesmo! ❤

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  3. Mayyyyy do céu! Está história está maravilhosa, ótima, ótima mesmo, como você consegue escrever dessa forma?? Kkkkk
    Parabéns por esses capítulos tão maravilhosos, quero logo essa continuação, em! Kkkkk

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