Fã Fic – Escrevendo Caminhos (Capítulos de 55 a 60)

—E cadê o Gianluca?
—Quem? —Perguntei, mais uma vez dividindo a minha atenção entre a conversa, os papéis na mesa, os desenhos no computador e as conversas no fone de ouvido.
—Gianluca.
—Não tem pedido nenhum de Gianluca nos e-mails. Está atrasado? Deveria estar aqui? O que está acontecendo? —Fiquei apavorada procurando na lista de pedidos.
—Meu Deus, Elara. Gianluca, seu namorado.
—Ah, esse Gianluca. Ginoble está trabalhando. Viajando. No México, eu acho.
—Você acha?
—Acho.
—Quando foi que vocês conversaram da última vez?
—Não lembro. Faz uns cinco dias, uma semana, mais ou menos. Algo em torno disso —pedi licença e fui até a mesa do Sfalsin pedir para ele dar uma olhada nos pedidos que listei para ele.
—Você não tem conversado com ele, Elara?
—Eu estou trabalhando. Ele está trabalhando. É meio complicado, Francesco.
—Meu irmão chegou ontem.
—Que bom! E como ele está?
—Elara, você precisa de um tempo dessa empresa. Agora você tem um relacionamento e não dá para ficar enfiada aqui 24 horas por dias, 7 dias por semana.
—18 horas, Francesco. Apenas 18 horas —ele riu e se recostou na cadeira.
—Você deveria delegar funções para poder ter mais tempo para você, sabia?
—Eu já fiz isso. E, caso você não saiba, Matteo está hiper gripado e não está trabalhando nesses últimos dias, então está meio complicado.
—Não estou falando disso, Elara. Estou falando em você distribuir 80% das suas tarefas para poder passar mais tempo em casa, sem precisar ficar trancada aqui. Vai fazer bem pra você, para o seu relacionamento, para tudo. Acredite. E pense nisso.

Demorei mais do que o necessário para terminar os desenhos e espalhar atividades referentes aos pedidos que irão sair na semana seguinte porque a voz do Francesco não deixou meu cérebro em paz. Como um lembrete, a cada dois minutos, de que estou fazendo algo errado.
Depois que Sfalsin e Mariagrazia foram embora, me vi obrigada a procurar meu telefone já que minha consciência não quer me deixar trabalhar. Quando o encontrei desligado, me desesperei. Não me dei muito tempo para pensar quando a ideia veio. Apenas peguei minha bolsa, meu sobretudo e meu celular descarregado e chamei um táxi para me levar até o aeroporto de Milano.

*

Ginoble ama qualquer lugar que não seja dentro da casa dele desde que acordara e não encontrara mais os pais vivos, então ele tem criado vínculos novos com lugares que não são só Abruzzo. Como Roma, por exemplo.
Olhei para o celular, agradecendo por ter conseguido obter carga esperando o voo e durante o voo. Está completo agora.
Quando mandei mensagem para o Ginoble era pouco antes das 00h, e a última vez que havíamos nos falado foi há quase 7 dias. Ele só demorou meio segundo para mandar uma mensagem com o nome do hotel em que está hospedado em Roma, onde acabei de fazer check-in. Ignorei completamente todas as outras mensagens dele perguntando o que havia acontecido, exatamente do mesmo jeito preocupado que me parou ao colocar as mãos nos meus ombros e confirmar que era eu mesma na porta do elevador, assustado. Depois me beijou, então pedi para conversamos e foi isso o que me levou para dentro do quarto dele.

—Amore, o que você está fazendo aqui? Ainda mais uma hora dessas. Fiquei completamente preocupado —ele disparou pergunta atrás de pergunta enquanto pegava minha bolsa e colocava sobre uma poltrona. Me sentei na cama e ele sentou à minha frente.— O que está acontecendo, El?
—Eu estou fazendo tudo errado, Ginoble. Tudo —falei, inquieta. Ele arqueou uma sobrancelha em dúvida.
—Certo. Tudo o quê?
—Tudo em relação a você. A nós. Eu. Não sei mais —ele soltou um leve sorriso.
—Quem está te atormentando, El?
—Ninguém.
—El! —Insistiu de um jeito meigo.
—Todo mundo. Tipo, todo mundo mesmo. E minha consciência não me deixou em paz a tarde inteira de ontem.
—Foi isso que fez você vir até aqui? Assim, do nada. Ainda mais essa hora.
—Foi. Você sabe como eu evito Roma desde… você sabe. Fujo daqui da mesma forma que você foge de Chieti. E aqui estou.
—Então vamos lá, amore. O que você quer me dizer? —Colocou a mão sobre a minha. Aqueles olhinhos cansados, quase fechando.
—Eu… não sei direito. Preciso de ajuda, Ginoble.

Por menos de um segundo, recebi um olhar de pena junto a um meio sorriso carinhoso. Menos de um segundo. Quase imperceptível.
Quase.

—Deixa pra lá. Foi um erro vir aqui —me levantei. Ele me puxou pelo braço me fazendo voltar a sentar na cama.
—Vamos, me conta o que está acontecendo. Não quero seguir com você escondendo seus sentimentos de mim.
—Sério? A gente tá seguindo mesmo? —Indaguei mantendo a atenção nas minhas unhas.
—Acredito que sim. Você veio até aqui, não veio? Então estamos seguindo —o vi sorrindo olhando para mim.
—Que jeito estranho de seguir, não é? A gente não conversou por quase uma semana e eu só senti a sua falta ontem, quando me lembraram de você. —Admiti, triste, o encarando. E o mesmo sorriso fofo não saiu do rosto dele.
—O que disseram pra você, Amore?
—Muitas coisas. Eu sei que não estou fazendo certo, Ginoble. Estou ciente disso agora. Eu só… não tem como largar as coisas da empresa assim, do nada. E eu não quero ver você ir embora por conta disso.
—Eu não vou embora, El. Fica tranquila.
—Você precisa de mais, Ginoble. Eu sei disso. Eu sinto isso. Eu só… não consigo. Não ainda. Não sei se vou conseguir um dia. Eu não sei.
—Elara…
—E você não precisa sentir pena de mim. Não precisa me olhar com pena. Sabe quando a Bertizzolo fala da vida dela pra nós? Que não queria que o Barone a torna-se a causa social da vida dele.
—Sim, sei. Ela detesta isso.
—Sinto que você está fazendo exatamente o mesmo comigo. E eu não quero ser a causa social da vida de ninguém.
—Eu tenho noção das coisas que consigo aguentar e mais noção ainda das coisas que consigo consertar, Elara. Acredite em mim quando digo que você não é a causa social da minha vida. Eu não tenho condições de consertar você. Quanto mais eu te amo, mais percebo isso. Sei que te peço muita coisa, mas posso te pedir mais uma?
—Você sabe que pode.
—Quero criar uma regra: não vamos dar atenção ao que as pessoas falam sobre nós.
—Essa regra é difícil, Ginoble —ele sorriu.
—Eu sei. Por isso sugiro, Senhorita de Negócios, que conversemos antes de aceitar um novo projeto.

Sorri com a metáfora.
Ao que parece, ele entende mais de mim do que eu pensava.

—Presta atenção no que eu vou dizer, Elara. O Luca me avisou que o seu irmão está ruim e não consegue trabalhar. Juntei os pontos e percebi que você estaria absorvendo todas as tarefas possíveis e cheguei a conclusão de que era melhor deixar você em paz até essa crise passar. Por isso eu não liguei, não mandei mensagem nem te marquei em nada no instagram. Eu não queria te atrapalhar. Olha, eu te entendo, mas os outros não vão entender isso de que, quando você estiver com tempo, você vem até mim.
—Eu venho até você?
—Claro. Olha você aqui —disse, sorrindo.

Deixei ele me abraçar e fechei os olhos quando ele me fez deitar a cabeça na perna dele para poder mexer no meu cabelo.
Ficamos em silêncio enquanto a mão dele tentava, em vão, fazer cachinhos com meu cabelo, acariciava meu rosto, minha pele.

—Você vai trabalhar hoje? —Perguntou, depois de muito tempo.
—Não sei.
—Já são quase 5h, amore. Acho que não dá tempo de voltar pra Milano e ainda trabalhar.
—Se eu ficar, atrapalha você?

Ele sorriu. Os olhos dele sorriram junto, acompanhando.
Aquela carinha de cansado se inclinou sobre mim e me beijou.

—Claro que não. Você sabe disso. —Disse, sorrindo, com o rosto encostado no meu.—Vem, vamos descobrir o que fazer juntos.

Sorri quando ele levantou e me deitou na cama, se debruçando sobre mim.

—Eu estava com saudades —falei quando ele parou de me beijar me deixando encarar aquele brilho nos olhos dele. Coloquei minhas mãos nas bochechas dele e o puxei para um novo beijo.
—Com muita saudade? —Perguntou, beijando meu pescoço.
—Aham. Muita.
—Eu estava morrendo de saudades de você —falou, depois de tirar a camisa.

Voltou a me beijar.
E eu descobri que estava com mais saudade do que imaginava.

*

—Eu tenho pensado muito. No futuro —admitiu. Eu sorri, embora ele não possa ver por estar escuro, enquanto a mão dele ainda desliza pelas minhas costas e estou descansando o rosto sobre o peito dele. Nossas roupas devem estar no chão, mas não tenho certeza.
—É de se pensar mesmo, dado o fato de que vocês querem coisas totalmente diferentes.
—Não só nesse futuro, mas isso também me preocupa muito.
—Você já pensou no que fazer? Já faz um tempo que vocês lançaram o último álbum. Está na hora de decidir o que fazer, não é mesmo?
—Quanto ao nosso estilo? Sim. Isso está enlouquecendo a gente.
—Porque, provavelmente, vocês não entraram em um acordo. Um consenso.
—Pode se dizer que sim.
—Barone querendo fazer o que ele sempre sonhou? Boschetto ainda disposto a mudanças? E você com essa chatice de reggaeton.
—Chega. Não era desse futuro que eu estava falando. Acabamos de fazer amor, El. Não quero falar sobre outros homens nesse momento.

Quando percebi, já estava gargalhando. Demorou para conseguir me recompor.

—Certo. Qual futuro alternativo tem assombrado seus pensamentos, Ginoble?
—Não é “assombrado”. Eu gosto, na verdade.

Por favor, não sejam filhos. Por favor.

—Lembra de quando as crianças do Piero foram na sua casa? Há meses?
—E a gente correu junto. Sim, eu lembro. —Merda.
—Eu amo crianças.
—E quer ter um filho —conclui pra ele e me esforcei para continuar ali, com a cabeça sobre o peito dele para que ele não percebesse que esse assunto me incomoda um pouco.
—Você já pensou nisso? Eu tenho pensado muito desde que estamos namorando. Nunca pensei tanto assim em formar uma família. O que você pensa sobre isso?
—Em filhos? Nunca pensei. E não serei uma boa mãe, certeza.
—Você nem convive com crianças, El. Como pode ter certeza?
—Tendo.
—Então você não quer ter filhos?
—Nunca pensei nisso, Ginoble, mas acredito que não.
—Eu quero muito um filho.
—No momento, é impossível. Acredito que na próxima década, também será uma coisa impossível. Mas vamos negociando com o passar dos anos.
—Negociando?
—Claro.
—É da vida do nosso filho que estamos falando.
—Não. No momento estamos negociando um futuro, Ginoble. E se você quiser isso agora, então não teremos um futuro.

Percebi que acabei levando a conversa por um campo minado e decidi deitar ao lado dele, sem os nossos corpos se tocarem. Senti a tensão pairando no ar, entre nós. Ele sentiu também, com certeza.

—Por que você diz isso, Elara? Que é impossível —perguntou, quando eu já estava me arrependendo profundamente de ter vindo para essa merda de comune. Decidi assim, em cima da hora, que é melhor ser sincera logo.
—Eu não vou abrir mão da empresa, Ginoble. Eu não queria me envolver nisso, e acabei me tornando o centro de tudo e não tenho como deixar tudo de lado por uma criança. Você também não vai deixar de viajar por meses, então nem eu nem você temos condições de cuidar de uma outra pessoa. Essa é uma negociação em que ambas as partes saem perdendo, inclusive a própria criança.
—Você só pensa nessa empresa. Você deveria viver, Elara. Como vamos seguir com esse relacionamento desse jeito?
—Pensei que não houvesse problemas da sua parte.
—No momento, claro que não. Mas um dia seremos uma família. E uma criança não vai poder ser criada dentro daquele escritório. Você vai ter que aprender, aos poucos, a ir deixando a empresa para os seus irmãos.
—E porque eu que tenho de deixar meu trabalho?
—Você vai ser a mãe. A não ser que você queira amamentar enquanto responde e-mail.
—Posso muito bem fazer isso.
—Não é esse o ponto que realmente importa, Elara.
—Claro que não. Porque eu tenho de criar a criança e largar minha carreira e meu trabalho para depender de você pelo resto da vida? Você quer uma mulher para dividir a vida com você ou alguém para parir seus filhos enquanto você faz o que quer fazer? —Perguntei, irritada. Estou ciente de que não é isso que ele quer dizer, mas minha língua trabalha mais rápido do que meu cérebro para assuntos pessoais. E eu não sou de abaixar a cabeça. Nunca fui.
—Pelo amor de Deus, Elara. Não estou falando isso. E desde quando você gosta de gerenciar aquela empresa? Pensei que aquilo fosse o inferno pra você.
—E é! Eu odeio tudo aquilo. Mas cerca de 350 vidas dependem da minha gerência naquele lugar. Pode não ser importante para você, mas é realmente importante para mim. Eu não vou abandonar eles por causa de uma criança.
—Não é só uma criança. É o nosso futuro.

Respirei fundo.
Eu nunca precisei passar por uma conversa dessas antes. Mas, de uma forma ou de outra, isso iria acabar acontecendo.
Levantei da cama e fui até o banheiro jogar um pouco de água gelada no rosto para ver se a raiva do momento deixa o meu corpo.

—É o meu sonho, El —ele disse quando saí do banheiro, envolta em uma toalha procurando minhas roupas no chão.
—Eu tenho sonhos também, Ginoble. Sonhos que você não vai gostar, mas nem por isso eu te pressiono com eles depois do sexo. Ninguém faz isso.
—A gente sempre conversa depois de fazer amor.
—Conversamos. E sempre são as melhores conversas. Mas foi a primeira vez que você me pressionou sobre esse assunto. E eu não quero um filho agora. Nem tão cedo. Não quero. E falar nisso depois do sexo não foi a melhor escolha de momento.

Terminei de colocar minhas roupas intimas por baixo da toalha e acendi a luz para tentar descobrir onde o resto das coisas estão.
Ele me encara com um olhar triste, coberto por um lençol fino.

—Isso me irrita, sabia? —Ele perguntou. Parei e o encarei, ainda com a minha blusa na mão.
—Muitas coisas te irritam. Estamos falando sobre o quê, agora?
—Primeiro, essa sua ironia me deixa puto.
—Ah, você tem uma lista? —Perguntei, tentando disfarçar o meu nervosismo e a minha ironia só porque ele a citou. Ele riu de um jeito bem irônico para quem acabou de citar isso como defeito.— Que bom. Qual a segunda coisa?
—Vou seguir a sua brincadeira.
—Estou esperando.
—O jeito como essa empresa é a sua vida. A forma como você deixa tudo de lado por ela. E, quer saber? Até o fato de você falar “sexo” me irrita.
—Merda, Ginoble! Alguém tem de ser o homem da nossa relação já que você decidiu que quer ser a mulher dessa palhaçada.
—Palhaçada?
—Tá vendo?
—Você leva isso tudo que estamos vivendo como palhaçada?

Revirei os olhos.

—Ah, com certeza. E justamente por isso eu viajei no meio da madrugada para te ver. Por pura palhaçada.
—Não sei se o pior é a sua ironia ou o seu sarcasmo.
—Isso porque você ainda não viu nada, querido —falei colocando a minha blusa e pegando a minha calça no chão.— Espera só eu ficar de TPM que você vai ver que eu posso ser a encarnação do Lúcifer na sua vida.
—Ah, isso também. Obrigada. Odeio o jeito como você consegue fazer um mega drama com as coisas.
—Espera. Eu consigo fazer um mega drama? Eu? Para de ser hipócrita, Ginoble! Quer saber? Não vim da merda do fim do planeta pra essa merda de lugar ficar ouvindo você citar as merdas do meus defeitos por causa da porcaria de um filho que a gente nem tem ainda.
—É bom saber que você conhece outras palavras além de “merda”.
—Oh, céus! Mas que cazzo tá acontecendo? —Perguntei, já nem tentando mais conter a raiva.— Estavamos transando aqui há uma hora e agora eu quero jogar você da merda daquela janela e rir quando a cabeça parar longe do corpo.

Me joguei no sofá e escondi o rosto nas mãos tentando controlar a raiva enquanto ele ria sentado na cama. Sinto o olhar dele sobre mim.
Sinto o sorriso.
Respiro fundo para controlar a raiva.
Encosto a cabeça no sofá e continuo de olhos fechados.

—Vai ser assim pra sempre, Ginoble? —Perguntei quando ele parou de rir.
—Assim como?
—A gente criando a terceira guerra mundial cada vez que se encontra. Como a gente pode seguir em frente desse jeito?
—Nós temos coisas demais na cabeça, El. Coisas demais. A gente tem que parar de descontar um no outro.

Olhei para ele, em pé na minha frente.

—Não era para ser assim —falei, ainda encarando-o.
—Quem disse?
—Eu tô dizendo. Tá tudo errado. Tudo errado.

Ele demorou menos de dois segundos para se inclinar sobre mim e me beijar.
E meu corpo simplesmente acende, como sempre, no mesmo instante.
Esse fogo de merda.

—Tem certeza? —Perguntou, sorrindo.
—Você é um idiota.

Ele me puxou para a cama novamente. Colocou o braço em volta do meu pescoço e me fez ficar deitada ao lado dele.

—Desculpa, El —falou, depois de muito tempo em silêncio.— Eu realmente não acredito nem em metade das coisas que acabei falando.
—Você acredita sim, senão não teria falado. Mas tudo bem.

Fiquei quieta e ele ficou quieto também. Ambos sabemos que ele acredita em cada coisa.

—Você não falou nada —ele disse. Esperei ele concluir.— Não me xingou de nada.
—Te chamei de hipócrita.
—E eu estava sendo mesmo.
—E ameacei ficar muito feliz observando a sua morte —ele riu e beijou o topo da minha cabeça. Me envolveu em um abraço mais forte.
—Você, que nunca matou nem um mosquito.
—Eu vou praticar.

Não as mortes dos mosquitos. Eles não tem culpa de nada.
Estou falando de cada um dos defeitos que ele citou.

—Não faz isso —ele disse, depois de refletir por um longo tempo.
—Acredito ser um tanto necessário dado tudo o que aconteceu.
—São besteiras minhas, El. Não faz nada. Não pratica. Não altera. Por favor. Eu amo tudo em você exatamente do jeito que é. Quero você exatamente desse jeito. O pacote completo. Não quero upgrade. Eu quero a versão atual. Eu sou completamente apaixonado pela versão atual.
—Eu realmente não sei o que dizer, Ginoble.
—Qual sonho você tem? Que eu não vou gostar.
—Você não quer saber disso. Não agora.
—Eu quero, amor. Plantei um medo na sua mente, preciso de um na minha também.
—Eu quero ir embora, Ginoble —admiti, depois de muito tempo. Ele me abraçou mais forte, acho que por instinto.
—Embora daqui? Do nosso país?
—É.
—Mas você ama esse país, El.
—Amo. O problema é que esse país não me ama na mesma intensidade.

Ele assentiu.
Fiquei esperando uma bronca, um sermão, ou até mesmo uma nova briga, mas nada aconteceu.

—Você já escolheu o lugar?
—Já.
—Algo me diz que eu não vou gostar muito do destino.
—Por isso eu não queria contar.
—A sua amiga, a May, que vamos encontrar no final de semana, tem alguma coisa a ver com isso?
—Sim e não. Ela não me influenciou em nada, se é isso que você quer saber.
—Então o destino é mesmo o Brasil?
—Lá não tem terremotos, Ginoble.
—Mas para isso você tem que deixar a empresa, não tem?
—Eu não posso simplesmente deixar a empresa. Tenho que continuar com ela, mas não preciso que tudo dependa de mim, como hoje.

Ele sorriu.

—Isso é bom —falou, depois de um tempo.— Podemos incluir um filho na ida para o Brasil. O que você acha?
—Negociamos?
—Conforme as coisas forem acontecendo. Tudo bem pra você?

Não tem como dizer “não” pra ele. Então sorri e concordei. Ele beijou meu rosto e me envolveu em um abraço.

—Nada de trabalho hoje —pediu.— Só hoje. Por favor.
—Vou tentar.

Tentativa vã porque tive apenas tempo de tirar um cochilo de meia hora quando Mariagrazia me ligou no celular. Aquele toque… parece até que está acontecendo dentro de mim.
E quinze minutos depois, estava saindo de Roma para pegar o primeiro avião direto para Milano deixando um Ginoble irritado e nervosinho para trás, mas cheguei dentro do horário necessário para resolver nossa pequena crise e lidar com todos os problemas que Mariagrazia e Sfalsin acumularam durante a minha manhã ausente.
De brinde, no final do dia, tive de ouvir alguns sermões disfarçados de “conselhos” vindos direto da parte masculina adulta da família Barone. Até sei lidar com o Francesco, mas ele e o Piero juntos, depois das 21h, me dando conselhos sobre namoro, é impossível. Então acabei discutindo com eles também, o que me fez ficar bem mais irritada do que poderia imaginar e me obrigou a deixar dezenas de coisas para resolver no outro dia e ir embora tomar um banho e descansar, mas, para ser bem sincera, o que me ajudou a aliviar os sentimentos mesmo foi ir a academia, coisa que já não faço com tanta frequência e percebi que é algo necessário na minha vida. Depois da academia, voltei para casa renovada, tomei um banho, me arrumei e já estava pronta para todos os grandes e pequenos problemas que me aguardavam.

—E aí, como andam as coisas na vida da minha mulher favorita?
—Matteo! —Quase gritei quando ele saiu do elevador. Até Maria e Sfalsin riram.
—Se soubesse que sumir um pouco te deixaria animada assim quando me visse, juro que sumiria mais vezes.
—Bobo. Senti saudades! —Ele me abraçou. Forte e aconchegante.
—E aí. —Cumprimentou Maria e Sfalsin.— Vocês gostam de trabalhar no inferno mesmo, hein?
—Se você continuar com essa palhaçada eu nunca mais vou aceitar nenhum pedido de vocês. Juro. —Brinquei enquanto eles riam.
—Ela é um amor —falou Sfalsin. Sorri pra ele.
—Ele é bem treinado, hein? Torturou ele muito?
—Idiota.

Rimos enquanto ele conferia mais um pedido e falava do sumiço devido todo o trabalho do pai dele, o primeiro albúm solo e, claro, de brinde me interrogava sobre meu relacionamento.

—Vai estar ocupado no final de semana? —Perguntei.
—Por quê? O relacionamento está tão bosta que já quer sair comigo? Eu sou gay e comprometido, amor. Mas, se você quiser tentar…
—Que horror! —Falei, rindo, ao bater no braço dele.— Tenho uma amiga visitando o nosso país e a convidei para conhecer minha casa e meus irmãos. Ela chegou já faz uns dias, deve estar chegando aqui daqui a pouco. Os Barones vão, o Boschetto se convidou, o Ferro irá, inclusive os dois ali fora. Se você quiser ir, será muito bem vindo.
—Eu adoraria, El, de verdade. Mas meu pai tem compromissos, então tenho compromissos com ele. Fica pra próxima.
—Ei, você poderia pelo menos ficar para conhecer ela, né? Ela é ligada demais nesse mundo de música erudita, então deve conhecer o trabalho do seu pai. Devo um mundo a ela, me ajuda a quitar um pouco a minha dívida? —Perguntei, quando a ideia apareceu na minha mente. Ele riu muito alto, aceitando, mas, infelizmente, ele não pode esperar muito hoje.

Ficamos conversando um pouco e ele só foi embora quando me convenceu que, nosso próximo encontro, seria na casa deles. Acitei porque ele deixou levar a Maya, e convidou Maria e Sfalsin também, como desculpa para “vocês precisam sair desse inferno com ela”. Nem eu aguento o Bocelli às vezes.
Depois de recusar a companhia do Francesco e da Mariagrazia para almoçar e fazer isso sozinha, antes que eu voltasse à minha sala desci até o Fabio para receber a Maya na empresa
Ela estava mais animada do que eu esperava. E dediquei boa parte da minha tarde vaga mostrando a empresa pra ela e até fiquei feliz por ela entender bem mais disso do que eu imaginava.

—Cursos, Elara. Cursos. Tem isso no Brasil também, sabia? —Ri e paramos no setor de contabilidade do Francesco.

Parei de prestar atenção na conversa quando o assunto se tornou eu “gerando brigas e intrigas” no meu relacionamento.
Voltamos para, finalmente, chegar no meu andar, mas peguei uma conversa pela metade da Mariagrazia com o Sfalsin assim que o elevador abriu.

—Ela era bem mais comprometida com a empresa antes de iniciar esse relacionamento com o Gianluca, você não pode negar isso. Ele não está estragando ela, esta estragando toda a Michelli —disse o Sfalsin.

Maya logo olhou para mim, assustada. Odiei o fato dela dominar bem a nossa língua. Mariagrazia pigarreou quando meus saltos começaram a fazer “clack clack” conforme eu andava e a Maya me seguia.

—Nunca pensei que eu precisaria dizer isso, principalmente porque todos somos amigos, mas minha vida pessoal é minha vida pessoal e não quero ouvir ninguém culpando o Ginoble por incompetências minha com a empresa —falei, mas parei na entrada da minha sala.— Afinal de contas, eu sou a dona dessa merda toda e se alguém é prejudicado com isso tudo, esse alguém sou eu e as merdas das minhas decisões não são da conta de ninguém, muito menos da sua, Sfalsin. Da próxima vez, culpe a mim, não o Ginoble. E tome mais cuidado porque não quero ouvir ninguém criando fofocas sobre o Ginoble aqui dentro, fui clara? Lá fora você pode falar o que quiser, mas aqui dentro não vou admitir culpa em cima do Ginoble, entendeu? Se quiser reclamar, sou toda ouvidos e é exatamente por isso que essa porta nunca está fechada. No mais, se não estiver contente com o rumo que estou dando à empresa, ou a forma como vivo a minha vida, a porta da rua é a serventia da casa.

Entrei na sala e sentei na minha cadeira, mas só então percebi que a Maya estava parada lá fora, encostada na mesa da Maria, me encarando muda.
Ri e voltei até a porta.

—Você não vai entrar? —Perguntei.
—Eu não sabia o que fazer. Você parecia meio nervosa. Fiquei assustada —respondeu rindo. Até Mariagrazia riu com ela.
—Para de ser boba. Entra logo. Alias, essa é a Mariagria, irmã do Barone. Você deve conhecer, claro. E esse é o Sfalsin. Ela é a Mayara.
—Oh, a May… das histórias? —Perguntou Maria, levantando para cumprimentá-la.
—A própria. Fica à vontade, Maya.

Ela ficou conversando com a Maria e entrou depois que o Sfalsin saiu após ter pedido desculpas por falar sobre a minha vida. Eu não o culpo, de verdade, mas não acho certo ele fazer isso com o Ginoble. Nem ele, nem ninguém. A empresa não está caindo, muito menos a marca Michelli. Tudo tem melhorado cada dia mais. Não há do que reclamar.

—É sempre assim? —Perguntou a Maya sentada no sofá de frente pra Milano adormecendo lá fora.
—Assim como? —Redargui ainda com a cara grudada no computador terminando algumas autorizações para a semana que vem.
—Assim: todo mundo indo embora e você ficando aqui?
—Ah, sim. É sempre assim, sim —respondi, rindo.
—É uma vista linda.
—Milano? Ela é maravilhosa. E como andam as coisas lá no Brasil?
—Fluindo. Fluindo. Ah, valeu pelo caderno do Patch. Vai ser bem importante na história.
—Sem problemas. Pode ficar com ele. Nunca tive coragem de lê-lo. Ficou guardado aqui nessa gaveta por muitos anos e achei que alguém deveria lê-lo.
—Sério? E esse alguém foi logo eu?
—Foi ideia do Ginoble. Ele sugeriu. Achei legal e… foi pra você. Então, pronta?
—Para quê?

Desliguei o computador quando a Mariagrazia, o Sfalsin e o Francesco saíram do elevador.

—Vamos? —Perguntou Francesco, sorridente.
—Vamos pra onde?
—Você não contou pra ela? —Perguntou a Maria. Eu ri.
—Passar o final de semana na minha casa. Pronto, contei.
—O quê? Tá brincando? Eu não trouxe roupas.
—Pelo amor de Deus, isso não é problema.
—Você só disse que ia me mostrar a cidade.
—Exato. Só não falei qual cidade. Vamos logo. Quem vai conosco? —Perguntei ao Francesco.
—Vou com a minha irmã porque vamos parar na minha casa para pegar a Dani e o Pietro. O Sfalsin vai conosco. A Lia está em Naro e vai de lá com as crianças. Você fica com o Piero e o Tiziano, pode ser?
—Certo. Então fazemos uma parada no Tiziano e, de lá, seguimos direto. Pode ser? Você avisa ele?
—Aviso. A gente se encontra no Duomo? Em quarenta minutos? Tá bom pra você?
—Tá ótimo.

Passei no meu apartamento com a Maya e depois passei no hotel onde ela está hospedada para que ela pegasse algumas roupas. Depois peguei o Barone e as duas malas dele no hotel que ele estava hospedado e, quando finalmente chegamos no Duomo, a Maria já estava nos esperando.
A Maya não aguentou muito tempo acordada. Nem comigo falando o tempo todo com o Barone e o pessoal do carro atrás de nós. E cantamos e rimos alto e paramos para pegar o Ferro e o filhinho dele, Bruno, e ela ainda estava dormindo. Quando acordou, finalmente, já estávamos em Naro e até o Barone e o Ferro já haviam cansado de tirar fotos dela dormindo.
Enquanto todos desfaziam as malas e se arrumavam em cada quarto, fui até meus irmãos que estavam sentados em bancos na escadaria principal.

—Ginoble, você por aqui? —Falei, ao me aproximar deles.
—Ele chegou faz umas duas horas —respondeu Marco, me abraçando forte.
—E você não pode sumir assim, El! —Brigou Luca, mas me fazendo rir.
—Agora é meta trazer uma companhia nova todas as vezes que vem nos ver, El? —Perguntou Matteo, me soltando do abraço.
—Ah, sim. Essa é a Maya. De quem falei na semana passada.
—Brasil. É, a gente sabe —brincou Luca. Todos rimos

Ficamos ali, só nós seis, rindo e colocando a conversa em dia, enquanto a vida dentro da casa era uma loucura de choro e crianças correndo para todos os lados.
Esses filhos dos Barone.

—E vocês dois? —falou Luca— Chegaram aqui separados. Têm brigado muito ultimamente?
—Nada fora do normal —respondeu Ginoble com um sorriso sem graça no rosto.
—Você já se perguntou se ela gosta mesmo de você, Gianluca?
—Que merda é essa, Marco? —Quase gritei.
—É claro que já me perguntei —ele comentou. Pelo menos o sorriso melhorou.
—E qual a resposta? —Perguntou Matteo.
—Que pergunta boba, rapazes —interrompeu a Maya.— É bem óbvio que ela gosta dele. Quer dizer, só não tá tatuado na testa dela porque… bem, vocês sabem. Ontem mesmo eu vi ela ameaçar despedir aquele pobre homem que trabalha com ela só porque ele disse que o Gianluca estava… te estragando? Foi isso que ele falou? Ela te defendeu de um jeito bem fofo, Gianluca. Achei bacaninha.
—Alguém já chegou escolhendo um team —falou Ferro, rindo, vindo na nossa direção. Ele sentou ao lado da Maya. Ela disfarça muito bem, mas ainda consigo perceber que estar aqui, com os rapazes do Il Volo e com o Ferro, é demais para ela.
—Cuidado —falei. — Ele não morde, mas é facilmente amável e mata qualquer um com excesso de amor.
—Eu sou único e insubstituível —brincou ele, colocando o braço ao redor do pescoço da Maya. Tá bem estampado no rosto dela que o amor entre eles é mais antigo do que uma simples e recente vinda à minha casa.
—E é o melhor —falou a Bertizzolo, o beijando na bochecha e se sentando ao lado deles.
—Lia! —Interveio Barone. Todos rimos enquanto ele se sentava ao lado dela, acompanhado de Mariagrazia, Francesco, Boschetto e Sfalsin.
—Cadê as crianças de vocês? —Perguntei.
—Talvez você não saiba, El, mas deixa o tio te contar uma coisa maravilhosa: crianças dormem —falou Ferro. Todos gargalharam.
—Ridículos —falei enquanto eles ainda riam e Boschetto lutou para conseguir uma selfie boa com todos nós quando o Ferro pediu.

Segundos depois todos estavam recebendo notificações no instagram.
Meu irmão, Matteo, foi pegar vinho e carregou a Maya com ele.
Voltaram muito tempo depois, ela com os vinhos, ele com várias taças em uma bandeja.
Rimos explicando pra ela como tudo é feito aqui dentro da mansão e a forma como trabalho com eles estando aqui e eu em Milano.

—Então, vocês casam quando? —Perguntou a Bertizzolo depois que meu irmão a obrigou a tomar mais uma taça de vinho. Tenho certeza que ela está bebendo por pura educação. Eu engasguei e todos os olhos se voltaram para mim enquanto eu tossia.
—Estou esperando —respondeu Ginoble. Agradeci pela distração enquanto eu me recompunha.
—Esperando o quê? A terceira guerra mundial eclodir das brigas de vocês? —Ferro falou sério, mas todo mundo riu.
—Eu nem vou comentar nada —disse Marco, escondendo a cara de nervoso atrás de uma taça de vinho.
—Mas, falando por todos os meus irmãos, estamos bem revoltados com isso de eles ainda não estarem casados. Mas o que podemos fazer? Conhecemos a peça que temos —brincou Luca.
—Hei! —interrompi. Todos me olharam.— Primeiro, eu sou tão amável quanto o Ferro.
—Ah, mas não é não —respondeu ele.
—Não é mesmo —brincou a Bertizzolo.
—Sou sim. Segundo, nos não brigamos… apenas temos algumas divergências de opiniões.
—Vocês até parecem o Homem de Ferro e o Capitão América depois que o Tony descobre que o Bucky matou os pais dele.
—Poxa, Ignazio! Espero que vocês estejam cientes de que estou sendo o Homem de Ferro porque essa luta aqui tá bem injusta. E, terceiro, mas mais importante de todos, não sou boa em noivados.

Senti o olhar do Ginoble atravessando a minha alma, mas me mantive firme.

—É por isso…? —Perguntou.
—Não quero falar sobre isso agora.
—Sério, El? Porque nós entregamos o anel pra ele hoje.
—LUCA! CALA A BOCA —Gritou o Ginoble. Todo mundo fez cara de paisagem.
—Que anel? —Perguntei tentando não ficar apavorada.
—Eu não ia te dar um anel agora, El. Juro.
—Alguém me explica que merda está acontecendo aqui? —Pedi, tão calma quanto possível.
—Há algumas semanas o Ginoble pediu para que fizéssemos o desenho das alianças de vocês. Entregamos as alianças prontas hoje. Não era para o Luca abrir a boca —explicou Matteo.
—Ótimo!

Coloquei o meu copo sobre o banco e não pedi licença ao me retirar e subir irritada para o meu quarto.
Depois de muito tempo, Ginoble me encontrou sentada na varanda observando as árvores.

—Eu não ia fazer isso agora, El. Eu juro pra você —foi a primeira coisa que ele disse ao se sentar ao meu lado.— Eu estava esperando o seu tempo.
—Por que você mandou eles fazerem?
—Sério? Todas as vezes que você viu uma aliança não deixou de citar um defeito sequer. Você acha mesmo que eu não venho procurando uma aliança decente desde que começamos a namorar naquele fim de mundo que você vai tornar a nossa casa em alguns anos? Acredite, eu procurei. Mas todas as vezes você aparece citando todos os possíveis defeitos da aliança. Eu estava enlouquecendo.

Não consegui não rir. Ele me abraçou e me fez encostar o rosto no ombro dele e vê-lo tirar uma caixinha azul-escuro do bolso e pousa-la sobre a minha perna.
Fiquei quieta e ele seguiu meu silêncio. Abri a caixinha quando o silêncio se tornou inquietante e muito incômodo.

—Me explica porque eu estou vendo dois pares de alianças aqui, Ginoble. E azul, é sério?
—Seus irmãos que fizeram. Não gostou?
—Está brincando? São lindas.
—Combinam com seus olhos.
—Mas eu não sou boa nisso, Ginoble.
—E eu não sou o Patch, Elara. Eu estou aqui. Eu estou vivo. Estou do seu lado e não vou à lugar algum. Eu não vou te jogar sobre os braços e te carregar para qualquer lugar que seja, não vou fazer essa tatuagem que você tem nas costas, mas também não vou colocar a vida de outras pessoas à frente da sua. Eu tenho uma vantagem que ele não tinha: vi exatamente como você ficou quando ele partiu. Vi a destruição que aquilo causou e como foi difícil reerguer você. Não vou deixar aquilo acontecer novamente, Elara. Você tem a minha palavra.

Olhei para ele e recebi um sorriso meigo de volta. E aqueles olhos.
O beijei e ele continuou sorrindo ao colocar a mão no meu rosto para me afastar.

—Isso é um “sim”? Para um anel ou dois?

Sorri e o beijei novamente e novamente.
Ele deitou no chão. Deitei sobre ele.
Nos beijamos várias vezes.
Antes de terminamos, nós dois ganhamos novos adornos que nos acompanharão por muito, muito tempo.
Segundo ele.

***

O final de semana com todos em casa foi muita loucura. Todos rindo e andando de um lado para o outro, brincando e falando alto, as crianças bagunçando tudo, o Ferro andando com aquele pequeno ser nos braços pra cima e pra baixo; a Bertizzolo amando cada coisa que o Ferro diz; meu irmão amando cada respiro da Maya, que tinha que se dividir entre os suspiros de um Michelli e os suspiros de um Boschetto, que parece realmente disposto a tudo, inclusive a levá-lo no show do Ultimo e do Marco Mengoni, quando pegou o meio de uma conversa nossa quando ela disse que também amava as músicas deles, então ela super concordou e já marcaram tudo para o decorrer da semana seguinte, porque nessa agora a levarei até os Bocelli. Dizer que tudo foi uma loucura, é pouco, mas acho que é isso que faz com que eu ame cada vez mais a presença da Maya, ela é tão viva, topa todas as coisas, que me faz querer fazer loucuras as vezes. Mesmo.
Agradeci quando voltei ao trabalho na segunda-feira e tive que lidar com coisas com as quais sempre sei no que resultarão. Exceto as alianças no meu dedo, que acabaram entrando em uma ou outra entrevista e me renderam centenas de marcações de fãs do Ginoble no instagram.
Ainda não consigo não brigar com ele quando estamos juntos, embora eu realmente me esforce, mas estou bem melhor nisso de delegar tarefas e já trabalho só até o meio dia, mas estou tentando delegar mais coisas. Dentro de dois, três meses, eu consigo.
Meus irmãos ainda vivem trancados naquela mansão, e tenho quase certeza de que o Matteo está realmente tentando trazer a Maya do Brasil desde que ela foi embora. Quase certeza. Espero que ela saiba onde está se enfiando, porque entre um Michelli e um Boschetto, até eu escolheria o Boschetto.
Ginoble passou por duas viagens longas antes de, finalmente, conseguir parar em Abruzzo.
Eu cheguei na comune realmente disposta a não brigar, mas ele voltou com aquele assunto de filho e, quando dei por mim, já estávamos discutindo.

—Eu não disse que íamos nos mudar para o Brasil agora. Falei apenas que vou conseguir deixar a empresa em poucos meses.
—Se formos pro Brasil, eu quero um filho.
—Já falei. Não vai ser assim.
—Um não dá certo sem o outro.
—É você que vai ser burro de carga de outra pessoa, por acaso? Porque, se você for gerar e cuidar, por mim tudo bem. Mas eu não quero isso agora.
—Eu quero um filho, Elara. E quero casar logo —falou, quase gritando, nervoso.
—Se quer tanto um filho, então adota uma criança. E já falei que a gente pode assinar aquelas porcarias de papéis a qualquer momento. Agora para esse carro naquela porcaria de hotel ali na frente —redargui apontando para o predio de aparência medieval de uns cinco, seis andares.
—Pra quê? Vai fazer o quê, ali?
—Vou pedir para usar o banheiro, Ginoble. Eu posso usar a merda do banheiro? Mulheres precisam usar a porcaria do banheiro.

Ele estacionou o carro a contra gosto, irritado, do outro lado da rua e bateu a porta com força quando saiu e se encostou no capô.

—Só para lembrar, esse carro é meu e vale bem mais do que você pode imaginar. Bate a porta assim novamente e a próxima coisa que você verá dele serão os pneus quando eu passar com ele por cima de você.

O deixei -irritado- esperando e pedi para usar o banheiro quando cheguei na recepção. Enrolei para sair só por estar com raiva. Ele não é o único que sabe fazer birra.
Quando saí do banheiro, senti o primeiro tremor.
Não foi algo assustador ou apavorante. Foi fraco, leve, quase imperceptível.
Eu já estava perto da saída quando aconteceu novamente. E tudo balançou como um edifício feito de papel ao meu redor.
Não tive tempo de pensar em muita coisa.
Por um segundo, tudo voltou a ser da mesma forma de quando o Patch falecera: escuro e cheio de dor.

***

—Eu não quero as suas desculpas, Anjo. Não preciso disso, meu amor —falou com um sorriso suave nos lábios. A mão acariciando meu rosto.— Você fez tanto por mim, tanto. Com um simples sorriso, uma simples palavra, só por estar lá. E eu te amo tanto, tanto.
—A culpa foi minha. Eu deveria saber que alguma coisa ruim poderia acontecer. Eu fui descuidada e tudo aconteceu por minha causa, me descul… —ele colocou a mão sobre a minha boca, rindo.
—Você não era boa em pedir desculpa, o que aconteceu?
—Você morreu —ele sorriu e beijou minha testa.
—Eu não tive escolha, Anjo. Mas você não tem noção do quanto me entristece saber que ainda estou sendo o motivo de tanta dor e sofrimento na sua vida.
—Você não é isso, Patch! Não é!
—Me promete uma coisa, El?
—O que você quiser. Qualquer coisa.
—Para de se culpar. A culpa não foi sua. Para de bloquear a felicidade, para de bloquear as coisas boas, para de se menosprezar. Me promete que você vai lutar pela sua felicidade de verdade, vai fazer as coisas que te faz feliz, como quando te conheci. Me promete isso, Anjo, por favor.
—É claro que eu prometo, Amor.
—Essa é a minha garota —falou sorrindo e os pontos de ouro nos olhos dele me fascinaram como nunca.— Eu vou sempre estar por perto, você tem a minha palavra —os lábios dele encontraram os meus e acelerou meu coração de uma forma inexplicável.
—O que isso quer dizer? —Perguntei, quando nossos lábios se separaram e ele me encarou sorrindo.
—Quer dizer que, mesmo se você não me ver, eu vou estar ao seu lado. E quero ver você feliz. Já cansei de ver você acabada e chorando. —Bati de leve no braço dele e ele me deu um novo beijo.— Você não vai parar de se culpar, não é?
—Não é assim que eu funciono.
—Presta atenção no que eu vou falar —disse, segurando meu rosto com as mãos.— Eu te perdoo, Elara. Te perdoo por tudo o que você acha que fez. Te perdoo por ter entrado na minha vida, te perdoo por ter me deixado sozinho. E te perdoo por você ter me matado. Eu te perdoo.

Tudo ficou tão leve que eu poderia voar facilmente. Como se um peso enorme tivesse sido tirado das minhas costas.
E eu sorri.
E sorri por conta da felicidade que ele me passa através dos brilhos de ouro.
Ele me beijou, mas foi se esvaindo aos poucos, sumindo.
Fiquei desesperada e gritei por ele.
Gritei o quanto pude.
Ele não voltou e tudo ficou escuro.

Continua…
Fic revisada em 2023.

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